segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Milan Rados Radenovich (1951-2012)


"Então Jesus afirmou - Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá." (João 11:25 - Bíblia Sagrada)

Morte e impostos. É impossível escapar ao seu alcance. São forças poderosas que acabam sempre por nos encontrar numa forma indiferente à nossa conveniência. Pelo menos os impostos são compreensíveis. São o preço que pagamos por uma sociedade civilizada. No entanto a morte pode até ser estudada exaustivamente, mas a sua inevitabilidade, os seus movimentos discretos de vulto, sempre à espreita nas nossas costas, faz com que seja uma verdade irreconciliável com os nossos instintos mais básicos.

Quando alguém da nossa vida morre, além da tristeza que vem com a perda humana irreparável, surge também uma advertência que nos lembra da nossa própria mortalidade. Lembra-nos que somos apenas carne, sangue e células no meio de um equilíbrio frágil e instável com os elementos de um universo desprovido de significado.

Milan Rados Radenovich morreu, neste sábado, aos 61 anos de idade, terminando em Espanha um percurso que se iniciou na antiga Jugoslávia. Não conheço bem os detalhes da sua vida pessoal. Sei que, em primeiro lugar, foi um filho, irmão, marido e pai. Às pessoas da sua vida não tenho nada a oferecer senão as minhas sentidas condolências. Foi também jornalista, autor e professor universitário. É no seio destas competências que posso oferecer o meu humilde testemunho.

Frequentei três cadeiras leccionadas pelo Professor Milan Rados durante a minha frequência do curso de Ciências de Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foram estas - História do Mundo Contemporâneo; Ciência Política; Relações Internacionais.

Nenhum outro professor me inspirou tanto interesse nas cadeiras que leccionava como o Professor Milan Rados. O que me marcou não foi apenas a sua personalidade lendária que incluiu para sempre no imaginário cultural do curso um conjunto de chavões humorísticos que todos os alunos (cervejeros!) que passaram pelas suas salas de aula certamente se lembram. O que me marcou foi o ambiente que o professor impingia nas suas aulas.

Não eram apenas palestras onde o professor limitava-se a enunciar a matéria exposta em apresentações de Power Point. As aulas podiam ser apenas isso, mas a sua boa vontade acabava por transformar aquelas duas horas em debates e simpósios. Cheguei a estar presente em aulas onde quase não se falou sobre a matéria do programa da cadeira. Discutiam-se opiniões sobre assuntos da actualidade. Criavam-se cenários hipotéticos no campo das relações internacionais - passamos uma hora a discutir a possibilidade da ocorrência de uma Terceira Guerra Mundial.

Essa liberdade retórica fazia com que as aulas fossem mais do que a simples transmissão asséptica e inofensiva de conhecimentos formais. Criava uma sede sem fim pelo conhecimento universal. Aspirava a dar aos alunos os benefícios da relação simbiótica entre saberes teóricos e aplicações práticas. Acordava-nos para realidades impossíveis, deixando-nos inconformados com o triste estado deste mundo. E incutia aquilo que eu considero a maior dádiva de uma educação universitária - a liberdade de pensamento - que nos permitiria formar opiniões independentes e, quem sabe, encontrar alternativas e soluções.

O Professor Milan Rados morreu, mas eu nunca aceitarei a sua morte. Aliás, nunca aceitarei a morte. Recuso-me. Ela acontecerá na mesma, disso não tenho dúvidas. A espécie humana olha para a morte e vê um inimigo. Algo a ser erradicado. Assim como acredito que um dia iremos dominar o espaço sideral com o nosso engenho e criatividade, creio que um dia, muito distante do presente, a raça humana irá dominar a morte, fazendo com que esta possa apenas ocorrer segundo a nossa vontade. As pessoas que admiramos e gostamos deixarão de ser afectadas por esse empecilho supremo que é a morte. Mas, até lá, as pessoas que gostamos e que já se foram, e nestes incluo o Professor Milan Rados, terão que, tragicamente, se contentar com as limitações de continuar a viver apenas nas nossas memórias.

Não acredito em Deus. Não acredito em nenhuma forma de transcendência objectiva. Mas se existe alguma coisa que me faz sentir romântico sobre a espécie humana, é isto. A nossa capacidade de prolongar a vida dos mortos. A nossa memória colectiva habitada por familiares e amigos perdidos. A teimosia milenar da nossa recusa da morte. A nossa luta para transformar a inevitabilidade e a impossibilidade em conceitos do passado.

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