quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Michael Morton


Os morcegos são o distinto mamífero capaz de voar e têm uma gigantesca capacidade de adaptação ao meio – apenas não são prolíficos nos pólos árcticos. São animais subversivos, somente activos entre a obscuridade, à excepção do grupo de raposas-voadoras que connosco partilha a necessidade de vitamina D. Tudo iniludivelmente interessante, conquanto o fascinante seja o seguinte: a ecolocação; um sexto sentido que permite, a estes ratos felpudos, terem uma evoluída percepção espacial através da informação que coligem da emissão de ondas ultra-sónicas. Thomas Nagel instrumentalizou-os originalmente no sentido da Filosofia, como âncora metafórica na sua divisão entre perspectiva pessoal e impessoal. O intelectual americano postula, então - e deixo a ressalva que o apresento sem grande minudência – que, por mais que tenhamos conhecimento de como a ecolocação efectivamente funciona, nunca teremos a mais pequena consciência de como é.

Foi notícia já no ano passado, ainda José Sócrates era chefe do Governo da República Portuguesa, a seguinte história retratada no programa 60 minutos, da CBS: em Williamson County, no Texas, nos primeiros delíquios da alvorada, um vizinho estranhou a presença de uma criança de três anos tão cedo na fronteiriça da sua casa sem a presença dos pais. Acabaria por encontrar a sua mãe, Christine Morton, morta na cama. Christine teria sido espancada pelo marido, Michael Morton, num crime de raiva impelido pela recusa de Christine em saciar o instinto sexual primata do seu conjugue, no dia do seu aniversário. Era isto que a justiça norte-americana tinha sentenciado e dado como certo até Michael Morton ter sido exonerado, no ano passado, devido a uma prova de ADN. Todo o processo judicial tem muito que se lhe diga, embora não seja por aí que me quero internar.

Rotular de desesperante o estado de espírito de Michael Morton durante esses 25 anos em que esteve injustamente preso é, porventura, capaz de ser um eufemismo. Considerá-lo como tal também. A angústia como condição de vida em doses tão frequentes, inconscientes e naturais quanto as de oxigénio. Apenas nos é possível equacionar possibilidades. A verdade é que, por mais que conheçamos sobre a história e que por mais que Michael Morton nos diga como foi, não teremos a menor ideia. Por mais imaginativo que seja o nosso raciocínio abstracto, não lhe será possível reproduzir os delírios de sentimentos tão imanentes à situação. Mas nem é sequer honesto tentar devolver por palavras e com propriedade a dimensão da realidade em que durante esse tempo definhou. Resta descrever, para que não saia da memória, que Michael Morton viveu 25 anos entre o cataclismo emocional de ver a sua mulher e mãe do seu filho assassinada sem saber por quem, de ter sido julgado por esse pérfido acto que não cometeu, enquanto sempre clamou a sua inocência, e que, com a desgraça da sua perda e desacreditação, foi condenado a passar o resto dos dias numa cela. Sem esperança. Uma prova de que a maior das tragédias não precisa de ter mais que uma vítima. Acredito que nem Santo Agostinho não se apiedaria e repensava a sua sensibilidade caso Michael Morton, num destes anos entre a sua funesta existência, tivesse decidido pôr termo à sua vida. 

Não o fez. Parece que tinha a certeza que a remota possibilidade de a verdade ser fundada no seu caso iria chegar. É comovedor ver Michael Morton a falar, quase que infantilmente, sobre os primeiros momentos após a sua experiência prisional, extasiado com o sol da liberdade. Os efeitos de LSD provocados por raios solares entre o palpitar da mobilidade. Também somente ele saberá o que isso é.

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