domingo, 15 de fevereiro de 2015

O Predador Alemão


Como qualquer outra presa racional, analiso o nível da ameaça. O predador é temível, dizem. Adapta-se facilmente à mudança. Organiza-se em bandos que trabalham de forma eficiente e produtiva. Escuto rumores desconcertantes sobre o seu passado. Parece que outrora, liderados por um homem louco, mataram muita gente. E, pelo que dizem, estão a tentar acabar connosco. Não tenho a certeza se ouvi bem, mas acho que lhes chamam “alemães”.

No entanto, devo confessar: quando vi o predador ao vivo, não encontrei sinais ameaçadores.

Normalmente andam em grupos de quatro: dois adultos, homem e mulher (presumivelmente um casal), e duas crianças (presumivelmente a prole). Falam numa língua ríspida e desagradável, é certo, mas sorriem constantemente. O cabelo dos filhotes era anormalmente loiro (quase branco). O vestuário que usavam possuía uma combinação de cores arrojada (amarelo-torrado, rosa-salmão, vermelho-vivo), mais extravagante do que os indígenas lusitanos ousariam vestir.

O gesto mais assustador que testemunhei foi quando o macho adulto levantou os braços subitamente para tirar uma fotografia (com uma câmera “Leica”, julgo eu) à Basílica da Estrela. Quando correram para apanhar o eléctrico, não vislumbrei atributos físicos fora do normal. Temi que estivessem a aproveitar o espaço fechado do eléctrico para matar presas com maior facilidade. Mas tudo o que aconteceu foi que a fêmea adulta pagou pelos bilhetes enquanto o resto da família se sentou nos bancos. Não sei explicar, mas quando o eléctrico partiu, ainda sorriam. Para ter a certeza, verificarei na minha enciclopédia, mas penso que observei a subespécie alemã de “turistas”.

Acabei por concluir que aqueles espécimes eram excepções, versões mais mansas das criaturas sanguinárias que habitam no centro da Europa. Afinal de contas, por onde quer que se ande, para onde quer que se olhe, abundam vozes desesperadas a avisar dos perigos que eles trazem. Roubam-nos crescimento, dizem. Desviam crescimento também. Eles nada dão, só emprestam, e em condições que são meramente “favoráveis”.

Há quem diga que até já são os alemães que mandam em Portugal. Nada acontece sem a sua aprovação. Há quem jure que quando os portugueses votaram para eleger o governo, há quase quatro anos, havia alemães disfarçados em todos os locais de voto, incumbidos com a missão de cumprir a vontade da líder germânica, designada pelos compatriotas como “Merkel”.

Mas depois fiquei ainda mais confuso.

A “BMW”, uma empresa alemã, é a quarta marca de carros mais vendida em Portugal. E, segundo fontes anónimas, vendem carros caríssimos. O que é estranho, tendo em conta a gritante pobreza da nação lusitana. São os alemães que nos obrigam a conduzir carros de elevada qualidade, só pode ser isso. Mas há mais: descobri que a Alemanha (o habitat natural dos “alemães”) é um dos maiores investidores estrangeiros em Portugal. Pensei que se tratava de um erro. Mas é verdade. A “Leica”, a marca da câmera fotográfica carregada pelo macho adulto que observei, é uma empresa alemã, e noventa por cento das suas câmeras fotográficas são produzidas em Portugal. A Autoeuropa, outra empresa alemã, é responsável por dez por cento das exportações portuguesas.

Depois percebi. É um truque. É que estes alemães, enfim, querem estimular a nossa dependência. Não sei exactamente porquê, mas as razões são irrelevantes. Tenho a certeza que não podemos confiar neles. Tantas vozes em uníssono não podem estar erradas. O Mário Soares, a nossa estrela mais brilhante, a nossa fonte inesgotável de lucidez neste poço escuro de ignorância, não pode estar errado. Alguém tem de fazer alguma coisa. Isto tem de parar. Basta de investimento a longo-prazo, basta de turistas ricos e felizes, bastas de carros potentes, basta de maquinaria industrial de elevada qualidade. Basta.