terça-feira, 25 de junho de 2013

Série “A Esquerda Portuguesa” - Introdução – A Insustentável Facilidade em Ser de Esquerda


“As pessoas não são um número, são cada uma delas uma história pessoal. Não são apenas uma percentagem para multiplicar, dividir, somar ou subtrair, mas homens e mulheres com as suas ambições, os seus desejos, a sua vontade de viver.” – José Luís Peixoto

As pessoas não são números, diz-nos, sagazmente, a Esquerda (neste caso através do Espírito Santo Revolucionário, Porta-Voz Supremo, Mestre Superior da Palavra e Prémio José Saramago 2001 - José Luís Peixoto). Eu não quero discordar desta afirmação. O peso da boca de quem profere estas palavras é demasiado. Seria o maior vitupério cultural alguma vez cometido por um homem designado como português. Discordar frontalmente de uma afirmação proferida pelo Vulto das Letras é o equivalente a tentar parar um carro com a mera intersecção de um corpo humano. O resultado não será a paragem do veículo. O resultado será a projecção violenta do corpo, vulgo atropelamento.

Portanto, vamos para uma realidade alternativa onde as Leis da Física Literária não se aplicam. Um lugar onde a única coisa que José Luís Peixoto tem em comum com José Saramago é o primeiro nome. Um lugar onde Zezinho Luisinho Peixoto não aprendeu a ler, nem a escrever, e ficou condenado a passar o resto da sua existência analfabeta nos latifúndios intermináveis do sertão alentejano a plantar batatas numa terra demasiado seca para a agricultura. Um destino trágico, certamente, mas com um esforço hercúleo de contenção lacrimosa, deixemo-nos levar por este Novo Mundo e vamos, então, finalmente, por mares nunca dantes navegados, discordar do Senhor Escriba Real, José Luís Peixoto.

Essa afirmação, proferida diversas vezes, sob diversas formulações, por diversas personalidades da Esquerda, é fundamentalmente incorrecta. As pessoas são números. As pessoas são o número um, no caso de considerarmos que a forma humana constitui um indivíduo, e que esse indivíduo é um único elemento, indissociável e indivisível. Esta é uma afirmação irrefutável, pelo menos para pessoas que não se encontram sob o efeito de ácido lisérgico ou cogumelos psicadélicos e, dessa forma, não aceitam a divergência entre o homem e a matéria. As pessoas também podem ser outros números. As pessoas podem ser duas pernas ou cinco dedos. As pessoas podem ser 4415 euros, que é o encargo médio do Estado por cada aluno até ao ensino secundário. As pessoas também podem ser 72, que é a idade que as crianças portuguesas nascidas em 2011 terão quando acabarem de pagar a sua parte da factura das Parcerias Público-Privadas. Na maior parte dos casos as pessoas são também mais de oitenta mil milhões de neurónios. Uma das várias excepções é precisamente os membros da tribo que ignora todos estes números e cuja designação está indicada no título da introdução deste pequeno e humilde tratado amador especulativo: A Esquerda Portuguesa.

Ingénuo não é a palavra adequada para descrever esta categoria geográfica política. Neville Chamberlain foi ingénuo quando pensou que Hitler iria parar na Checoslováquia. Adolf Hitler foi ingénuo quando pensou que era mais inteligente que Napoleão. Estupidez também não é a palavra adequada. Pôncio Pilatos foi estúpido quando cedeu aos judeus e decidiu condenar Jesus à morte. Jorge Jesus foi estúpido quando insistiu em colocar Emerson na lateral-esquerda do Benfica. Perdoem-me, mas não quero ser incongruente. Esta esquerda é ingénua, sim, e também é estúpida, mas estes são apenas dois dos atributos presentes no rol de adjectivos necessários para qualificar esta aberração sociológica. Chamemos-lhes então de ingénuos-estúpidos-ignorantes-loucos-pretensiosos-hipócritas-arrogantes-insípidos-amnésicos-megalómanos-picuinhas-enjoados-incompetentes-fariseus-paranóicos e no caso do Mário Soares e do Jerónimo de Sousa, senis. Acho que chega. Eu sei que muitas das coisas que eu aqui afirmo são excessivas. Eu sei o quão ridículo tudo isto pode parecer. Mas este exagero surge da necessidade de lutar fogo com fogo. Esta caracterização pode parecer um exagero sectarista ou uma hipérbole imperdoável onde se sacrifica alguma factualidade pelo poder lúdico destas ferramentas estilísticas. Quem se considera de esquerda olhará para esta lista de quinze pecados e verá apenas a enumeração extremista de um neoliberal. Mas o que me faz expressar tamanha cólera pela esquerda política é que toda a sua argumentação está assente na premissa de que eles possuem o monopólio da solidariedade autêntica e que as intenções da direita não passam de uma misericórdia mal-amanhada que o gigante Golias mostra ao diminuto David.

Essa premissa arrogante alarga-se e infecta todo o modo de funcionamento das instituições político-sociais que funcionam debaixo da autoproclamada alçada da Esquerda. Eles protegem os pobres como se a sua privação material desse-lhes, por si só, razão. A escassez material dá origem a uma altivez moral semiautomática, como se a fraqueza ou a insuficiência fizesse com que eles estivessem indubitavelmente certos e fossem os inquestionáveis possuidores da verdade. A abundância material, por sua vez, é um sinal de uma perversidade digna da condenação mais veemente, tornando certa, moral e boa, a subsequente expropriação da riqueza em nome da protecção dos pobres inofensivos. Para eles o mundo é simples. A crise tem um culpado: o capitalismo. O conflito israelo-árabe tem um culpado: os israelitas. A greve tem um culpado: o governo. A lógica desta dinâmica é a de uma injustiça gritante contínua, cujo papel é a catalisação da revolta premente, que é o sangue que corre nas veias mefíticas dos pseudo-revolucionários urbanos. Para eles a política é uma luta, o poder é a revolta e a reivindicação é um prazer. A arte do exercer a autoridade é uma exaltação colectiva puxada pela adrenalina pulsante da busca eterna pela novidade. A perspectiva de mudança funciona como uma droga, cuja capacidade de entorpecimento exige sempre uma dose cada vez maior. A política de esquerda vive no domínio imediato das sensações, da necessidade de gritar pelo oásis imaginário na linha do horizonte do deserto. A Esquerda não é um debate sério das ideias ou uma ponderação balanceada de soluções, mas sim um desporto radical teórico com uma capacidade estonteante de atrair um número enorme de revolucionários de sofá com desequilíbrios hormonais, que falha redondamente em ajudar a Humanidade e cujas ideias são responsáveis pelas maiores calamidades do mundo moderno.

O que geralmente não entra na perspectiva da Esquerda Portuguesa é que é a coisa mais fácil do mundo afirmar que queremos o bem para as pessoas. Todos queremos o melhor para as pessoas. O pior é quando se dá um passo em frente e afirmamos que sabemos fazê-lo, e que é simples e que temos um conjunto de soluções concretas para tal, não porque acreditamos verdadeiramente nestas soluções, mas porque procuramos agradar as multidões com uma injecção súbita de alívio do facilitismo. Como distribuir centenas de milhares de computadores a crianças em idade escolar com a certeza inabalável de que isso é melhor alocação de recursos possível para melhorar o sistema educativo. É fácil dizer que temos uma “receita”, um “plano”, uma “estratégia” e uma “aposta” cheia de acções positivas. É fácil dizer que precisamos de crescimento económico. Todos estamos de acordo com ideia de crescimento económico. Todos concordamos que o objectivo é melhorar a qualidade de vida das pessoas, preservando primeiro a liberdade e tentando criar, de forma sustentável, crescimento económico. O difícil é dizer que não sabemos o que é melhor para toda gente, que não temos nenhuma solução mágica para criar a curto prazo um número absurdo de relações comerciais que melhorem simultaneamente a vida de dez milhões de pessoas e que, provavelmente, a melhor coisa a fazer, a melhor política, digamos, é, simplesmente, não atrapalhar. O difícil é ter a humildade de assumir que a melhor acção de Estado é a inacção, e que as coisas não são fáceis, nem rápidas, mas que com o engenho humano e liberdade divina, um bocado de paciência e perseverança, (quase) tudo é possível.

Vamos, agora, aceitar a premissa da esquerda e afirmar que as pessoas não são números. Partindo deste princípio, números não são uma forma válida de representação da realidade e não constituem um método útil para o processamento de informação. Aquilo que a Esquerda nos parece querer dizer é que, de uma forma muito simples, a Matemática é uma ciência falsa, afastada da realidade, portanto podendo ser justamente comparada com Astrologia ou Cristaloterapia. Obviamente, não é isto que a Esquerda sugere, mas este tipo de raciocínio é o destino do caminho pavimentado pela afirmação “as pessoas não são números”. Nesse mesmo mundo, existem unicórnios e baús de ouro no final de cada arco-íris. Nesse universo, Vítor Gaspar não passa de um contabilista diabólico, um psicopata vazio, desprovido de emoções, um técnico com a eficiência da máquina genocida Nazi, um homem capaz de destruir milhões de vidas enquanto está sentado na sua sala a editar uma folha de Excel. E Passos Coelho é, claro, a reincarnação de Salazar, o monstro incompetente, cego ao sofrimento do povo, surdo às alternativas da Esquerda e mudo perante o poder dos mercados merkelianos. Ao assumirmos que as pessoas não são números, a negação aritmética permite-nos afirmar todo o tipo de alarvidades sobre os nossos opositores e permite-nos reclamar de tudo. Permite-nos gritar pela injustiça que são os cortes da despesa e pela injustiça que são os aumentos de impostos. O desfasamento entre a esquerda e a realidade reside na sua necessidade permanente de estar em oposição, mesmo quando está no poder. A Esquerda necessita de inimigos. Eles necessitam de demónios eternos, de fantasmas e de paranóia, pois a sua casa é assombrada e a sua nação é a penumbra.

Para acabar, esqueçamos Gaspar e voltemos a Jesus. Não o Messias, Rei dos Judeus, mas o mascador descortês de pastilhas elásticas da Amadora. Como afirmei, foi estúpido ao insistir em colocar Émerson na lateral-esquerda do Benfica. Qualquer pessoa com um mínimo de razoabilidade na sua caldeirada de personalidade sabia que aquilo não era material para jogador de futebol, mas sim para roupeiro. O problema foi que depois de passar uma época inteira a sublinhar a qualidade do jogador, na época seguinte dispensou-o pela calada, e substituiu-o por Melgarejo. O jovem paraguaio era extremo-esquerdo, mas Jesus garantia que transformá-lo-ia num grande defesa. Como qualquer pessoa possuidora da plenitude das suas capacidades psíquicas conseguiria ver, Melgarejo não era bom o suficiente para jogar na lateral do Trofense. Mas então Jesus foi ainda mais audaz. Depois de ter substituído um jogador horrível por um jogador adaptado, decidiu continuar esta sequência de decisões com mais uma solução miraculosa: um jogado horrível e adaptado, chamado André Almeida. O resultado está à vista. Jorge Jesus pode ser o treinador do Benfica, mas bem que poderia ser o Secretário-Geral do futuro Partido Bloquista do Socialismo Comunista de Esquerda. Aqui está, demonstrado de forma análoga, os tiques magníficos da Esquerda Portuguesa. Depois da primeira solução mágica ter corrido mal, decidiram criar uma outra solução igualmente mágica, seguido de mais uma solução mágica, presos no túnel eterno de esfaqueamentos num cadáver, com a convicção de que um desses golpes acabará por, inevitavelmente, trazê-lo de volta à vida.

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