quarta-feira, 5 de junho de 2013

Animais e Cocó

Uma pessoa muito importante (imagino) disse que o valor de uma sociedade deve ser medido através da observação do tratamento dos animais. Eu discordo dessa asserção. Qualquer sociedade digna do epíteto de “moderna” ou “desenvolvida” ou “justa” trata mal os seus animais. O avanço civilizacional do Ocidente apenas foi possível através da desapropriação sistemática do espaço vital das outras espécies animais (com a excepção, claro, do rato, da barata, das pombas e das gaivotas – esses seres odiosos).

A sociedade mata, enjaula, fere, manipula e tortura animais. São usados para alimentação, protecção e prazer. A tortura, especialmente a tortura, não deve ser subentendida como uma forma de sadismo barato. Apesar da altivez da retórica vazia que é preconizada pelos fanáticos dos direitos dos animais (até já criaram um partido político, vejam só), a raça humana, em grande parte, apenas faz aquilo que é necessário para sobreviver da melhor forma possível.

Eu adoro viver na cidade. Adoro o conforto, a segurança, a mobilidade e a vitalidade. Gosto de água limpa e canalizada. Gosto do pavimento e do asfalto. Gosto da conveniência. Adoro os prédios e as casas. Tudo isto existe através do sofrimento animal. Nunca vi um vegetariano que, apesar de não comer carne e de não barrar a sua torrada com manteiga, abdique de todos os confortos da vida moderna que possam, de alguma forma, ter uma ligação ténue com o sofrimento animal. Este tipo de inconsistência lógica no discurso dos amigos dos animais é a prova final de rectitude do domínio do Homem sobre os animais.

Se alguns patos têm que comer em excesso de forma que eu possa apreciar um sublime foie gras, se algumas vacas têm que ficar presas de forma que eu possa adicionar leite ao café, se algumas espécies de rã sejam extintas de forma que as populações pobres da Amazónia possam enriquecer, que assim seja. Se, por acaso, forem pessoas especialmente sentimentais, tirem uma foto ou gravem um vídeo das espécies em desaparecimento. Entre uma auto-estrada e o lince ibérico, que corram os rios de alcatrão. Esse é o custo do progresso.

Aliás, na minha opinião, o valor de uma sociedade deve ser medido de outro modo. Esse valor deve ser estimado através da observação da forma como uma sociedade se descarta dos seus detritos humanos, nomeadamente urina e fezes. E nesse aspecto, devo dizer, Portugal já não é um país de primeiro mundo. Quem utiliza regularmente os transportes ferroviários, saberá que recentemente as entradas dos lavabos da Estação de São Bento passaram a serem maneadas por um vigilante que exige dinheiro para que possamos usufruir dos frutos civilizacionais sanitários. Assim, voltamos as costas à herança da canalização greco-romana e damos um passo firme em direcção aos esgotos de céu aberto da África subsariana.

Eu sou a favor do sector privado. Eu acredito que devemos privatizar quase tudo. Mas quando chegamos ao ponto de cobrar dinheiro na entrada das casas-de-banho públicas, meu deus, tragam de volta os socialistas e a sua demagogia do serviço público e direitos adquiridos. Por este andar, vou-me deixar de preocupar com os correios, os serviços médicos do meu presente ou as pensões do meu futuro. Vou-me preocupar com o dia que, na ânsia de tapar o buraco das contas públicas, passemos a ter que cavar outro tipo de buracos.

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