sexta-feira, 14 de junho de 2013

Independência ou Morte


turista
s. 2 g.
Pessoa que viaja por diversão ou recreio dentro ou fora do país.

(Em primeiro lugar, peço perdão por começar esta publicação com uma definição de dicionário. Este é um recurso bastante útil que pode ser, em certas ocasiões, bastante interessante, mas que infelizmente tem sido destruído de forma recorrente por pessoas que acham que a melhor forma de introduzir e fortalecer os seus conteúdos merdosos é com uma definição de dicionário ou com uma referência enciclopédica. No entanto, isso, por si só, não quer dizer nada. A popularidade dos Led Zeppelin em nada diminui o seu valor. Mas a expressão e a disseminação de clichés é algo que eu tento combater com a mesma intensidade e com o mesmo espírito do antagonismo visceral que separava os cristãos e muçulmanos nas Cruzadas. Nesse sentido, espero que não seja necessário voltar a utilizar esta ferramenta e aproveito para dizer que por mais vezes que a M80 se esforce em destruir a “Stairway to Heaven”, esta continua a ser um verdadeiro pináculo de glória artística, cuja grandiosidade jamais será destruída pela sua repetição radiofónica quase diária.)


Eles saem das estações com olhares confusos e tentam decifrar a montagem hipnotizante de ruas no mapa. São famílias inteiras, numerosas, com mochilas e garrafas de água, câmeras fotográficas e chapéus, chinelos e óculos escuros. Este é o tipo de pessoas que vai a Paris só para subir ao cimo da Torre Eiffel, esperar duas horas para ver a moldura minúscula da Mona Lisa e passar por debaixo do Arco do Triunfo. A diferença entre um turista e um viajante está bem definida no imaginário global de clichés, mas esta é uma ideia que é importante reforçar: o meu ódio por turistas não tem e nunca terá um fim.

Eu percebo que esta questão apresenta imediatamente um paradoxo. Odiar turistas enquanto se é, relutantemente e por definição, um turista, é uma falha que debilita o argumento. No entanto, a diferença entre um turista e um viajante é um cliché e é real. Os viajantes chegam a Veneza, perdem-se na cidade, e ficam encantados ao andar e descobrir cantos, praças e esquinas que antes existiam apenas no império das possibilidades arquitectónicas. Os turistas chegam a Veneza, pagam cinquenta euros para andar numa gôndola enquanto um italiano desafinado berra e navega-os com uma vara, comem pizza e fazem questão de pedir ketchup.

Estes cabrões existem mesmo. São eles que compram as chávenas com frases engraçadas e as t-shirts que proclamam amor por uma cidade que conhecem há dois dias. Em todas as minhas viagens, eles estão comigo, na minha frente nas filas, a criar tráfego na saída do metro, a pedirem direcções para a rua onde estão, a fingirem apreciar obras de arte em museus onde gastam cinco segundos de atenção num quadro.

Os americanos conseguem ser os piores. Isto é gente que ultrapassou a fronteira da obesidade mórbida e decidiu testar os limites do engenho divino. O corpo humano tem mesmo capacidades que eu desconhecia. A pele estica e ganha uma elasticidade plástica industrial. Eles têm pernas grossas como troncos de árvores milenárias. Numa certa luz, não é possível ter a certeza onde acaba o homem e onde começa o elefante. E para piorar, eles procriam. E fazem questão de manter os monstrinhos numa dieta que mataria um pequeno dinossauro.

Eu sei que a crise económica é uma tragédia terrível e que o turismo é um sector económico importantíssimo para um país relativamente pobre e periférico como Portugal. Mas eu acho que chegou o momento de acabarmos com o nosso esforço de divulgação internacional. Acho que política adequada deve ser uma de sigilo. Portugal deve ser um segredo bem guardado. Quem por acaso vier aqui e gostar, que conte aos amigos. Isto aqui é uma choldra, mas é a nossa choldra. O Porto não é Veneza e Lisboa não é Paris. Eu temo pelo dia em que este belo país seja inundado pelas hordas mastodônticas de bisontes turísticos e que, ao tentarmos criar um país agradável para os outros, acabaremos por esquecer de criar um país agradável para nós próprios. Ao contrário do que o Algarve nos dá a entender, este não pode ser um país só para inglês ver.

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