terça-feira, 10 de junho de 2014

A Incapacidade da Incompreensão


"Na minha consciência não encontro uma razão para me demitir" - António José Seguro

O milagre da vida é um motivo óbvio de estupefacção. Entre duzentos e seiscentos milhões de espermatozóides são libertados numa única ejaculação, dos quais, na cruel maioria dos casos, apenas um atingirá o objectivo glorioso da fusão sagrada com o óvulo. As probabilidades que são extraídas destes números devem chocar as sensibilidades daqueles que se julgam azarados e provocar lampejos eufóricos de comemoração em qualquer ser humano racional.

No entanto, nenhuma outra manifestação miraculosa da vida causa tanta estupefacção quanto a existência de António José Seguro. Esse espanto não advém das probabilidades perturbantes que envolvem gâmetas e gónadas, mas da incapacidade em compreender como é que, depois de consumada a sua existência, esta conseguiu chegar tão longe. O secretário-geral socialista tem o aspecto de alguém que morreria tragicamente num evento absurdo, alguém que é assolado diariamente por infortúnios e desgraças, alguém que tropeça nas bermas acidentadas, escorrega nos átrios molhados, tranca o carro com as chaves lá dentro, deixa a torneira aberta, atropela o gato do vizinho, pisa em cocó de cão e passa uma tarde inteira a perseguir uma nota de cinco euros a ser puxada por um anzol.

Não é nada de novo. A banalidade perversa na classe política é um facto estabelecido da vida portuguesa. É apenas o reflexo infeliz das nossas exigências. É por essa mesma razão que quando um agente político chama a atenção pela sua mediocridade, ficamos embasbacados como alguém que acabou de encontrar uma agulha enferrujada num vasto abismo de sucata. Nesse mundo as trajetórias são curtas e inglórias. A admiração é invariavelmente substituída pelo desprezo. As ascensões meteóricas são acompanhadas de quedas aparatosas. Aquilo que normalmente ocorre é que o agente da mediocridade reconhece as suas limitações e aceita as vicissitudes levianas da carreira política quando a luz do holofote fica demasiado brilhante e começa a queimar.

Mas o líder socialista é alguém que vive eternamente insatisfeito. Ele não se limita a desafiar as probabilidades incertas da corrida da fertilização. Ele é alguém que passou décadas a rastejar pelos canos de esgoto do aparelho partidário com o objectivo de ser coroado como a ratazana entre ratazanas. Uma combinação improvável de eventos levou a que António José Seguro fosse eleito para o cargo de Primeiro-Ministro-à-Espera. Depois de uma prestação onde, ao contrário de José Sócrates, não conseguiu dissimular a sua mediocridade, o secretário-geral socialista tem sido reconhecido universalmente como uma fraude ambulante. Mas como um jogador embriagado pelo rodopio dos dados, ele não resistiu ao encanto místico da sorte e decidiu bater o pé, cruzar os braços, fazer birra e acorrentar-se ao trono, à espera que o destino providencie uma combinação mais feliz de cartas.

A razão pela qual chegamos aqui é muito simples. Na nossa cultura a honestidade é considerada falta de educação. Não me refiro àquela honestidade virtuosa que transborda da alma das legiões de homens que juram escolher sempre o certo em detrimento do errado. Refiro-me à honestidade corriqueira, aquela que diz a um amigo que a sua poesia é horrível, que diz a um colega que o seu hálito cheira mal e que revela que, por mais que tentem, por maior que seja a sua perseverança, certas pessoas simplesmente não possuem a capacidade de realizar grandes actos. É por essa razão que, sem fazer qualquer reivindicação de “frontalidade”, “honestidade” ou “coragem” (palavras irreparavelmente profanadas pelo discurso político nacional), inscrevo nestas páginas virtuais, sem quaisquer ferramentas estilísticas, as razões óbvias para o insucesso deste miserável traste carreirista.

Um político necessita de carisma. Esse carisma é um modo de estar confiante que transmite segurança. Quando o político não dispõe desse carisma, ele deve ser excepcional num âmbito diferente. Ele deve ser conhecido pelo seu pragmatismo implacável, pela sua habilidade de conciliação, pela sua coragem inabalável, ou pela sua inteligência superior. Ele deve ter um percurso académico e profissional que forneça garantias de competência. António José Seguro não possui nenhum desses atributos. Ele fica visivelmente nervoso durante intervenções públicas. Esse nervosismo causa um desconforto que transmite insegurança. Ele não é inteligente. O seu discurso superficial é desprovido de qualquer implicação prática. O seu currículo académico e profissional é duvidoso. O seu percurso é o testemunho de alguém que passou uma vida inteira encostado aos facilitismos da carreira partidária.

E o pior de tudo é que António José Seguro é ingénuo. É a tragédia dos estúpidos e dos ignorantes: são incapazes de compreender a sua estupidez e ignorância. A sua ingenuidade leva-o a considerar este imbróglio noveleiro como uma injustiça causada pela ambição desmedida de António Costa. Na realidade, isto é apenas o inevitável. Este mundo pode ser imperfeito, mas tem a capacidade de compreender quando o partidarismo foi longe demais e quando é necessário libertar os anticorpos para erradicar um vírus que, apesar de estúpido, é potencialmente letal. António José Seguro declara-se incapaz de encontrar razões para se demitir. Se ele quisesse realmente encontrar razões, bastaria olhar-se ao espelho. Se ele procurar na sua consciência, não encontrará nada. Por definição, o vácuo é exactamente isso: nada.

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