quinta-feira, 19 de junho de 2014

Cuadrado

É um fenómeno recorrente que certos indivíduos deixem de apreciar tanto um artista musical quando este passa a ser mais reconhecido pela generalidade do público. Não sofrendo desta síndrome, admito que quem a tenha valorize o egoísmo de estar sozinho na admiração dessa arte, e que essa sensação de descoberta e de isolamento contribua para que o artista seja ainda mais estimado. 

Existe também uma indefinida e frustrante sensação de impotência quando alguma manifestação artística que nós achamos de insuspeita e inatacável qualidade não provoca nos outros o entusiasmo que nós acharíamos adequado. Acontece com música, com filmes, com séries, com livros, mas também (e talvez sobretudo pela paixão que acarreta) no futebol.

Cuadrado é um caso de estudo neste tipo de fenómeno. Felizmente partilho com um amigo a paixão pelo jogo do colombiano da Fiorentina, e essa partilha foi fulcral para que eu não duvidasse da minha sanidade mental, pois durante muito tempo sentia-me só da apreciação dos seus predicados futebolísticos. Nos monótonos jogos da Série A de Domingo à tarde, Cuadrado é um oásis de mestria, de vigor, de felicidade, de futebol em estado puro. Eu e esse meu amigo dizê-mo-lo há muito: está aqui uma pérola, um dos jogadores mais talentosos do mundo. É estupendamente veloz, tem agilidade, jogo de cintura, destreza, vivacidade. Mas, mais do que isso, é um atleta surpreendentemente astuto. Com o seu género reguila e desfraldado, tinha tudo para ser um jogador egoísta e com poucas noções colectivas. Ele, no entanto, desengana preconceitos; a sua imprevisibilidade é a sua inteligência, a sua perspicaz visão de jogo. É abnegado, é filantropo; não descansa à sombra do talento, sabe que só triunfará com a equipa. São virtudes raras num jogador da sua posição e do seu estilo. Se Deus tivesse uma forma geométrica, era Cuadrado.

Agora que brilha no maior palco de todos, é normal que o mundo o reconheça. Estou felicíssimo por ele, porque mais do que talento, que é ingénito, Cuadrado teve a humildade de aprender a usá-lo. Merece que a carreira dele seja impulsionada por um Mundial fenomenal que ameaça fazer. Mas este meu contentamento não me impedirá, depois de anos a pregar as indubitáveis virtudes deste génio, de correr à cabeçada quem agora, depois da Copa, se dirigir a mim e perguntar "Conheces o Cuadrado, da Colômbia? O tipo joga muito".

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