terça-feira, 10 de junho de 2014

Egrégios

“Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.”

                                Luís Vaz de Camões

Hoje estava um óptimo dia para sair de casa, mas decidi-me, por ociosidade, por manter-me fiel ao pijama. Não foi uma decisão per si, mais do que a consequência de uma embaraçosa apatia. Os feriados são sempre aguardados por mim com grande expectativa e entusiasmo, e acabam sempre por defraudar. Revelam-se deprimentes e melancólicos. Muitos são os dias não feriados em que cumpro esta rotina de acordar tarde e deixar as horas passar apenas com o que o meu lar tem para oferecer. Em dias feriados, parece inexplicavelmente insuficiente e, no entanto, sair de casa não se afigura um melhor plano. Lá fora paira uma taciturnidade pouco convidativa, pelo que não parece estar mais divertido do que aqui.

Quando o feriado serve para festejar a Portugalidade, é inevitável este desânimo ser ainda mais acentuado. Senti-lo hoje, porém, é uma homenagem ao pathos lusitano. Celebro este dia comendo um reconfortante caldo verde, assistindo aos Capitães de Abril e condoendo-me ao som da Amália. Não o faço por masoquismo, faço-o porque amo este incorrigível país e não quero desrespeitar, no seu dia, o seu hereditário sofrimento.

Somos o povo que menos razões e, simultaneamente, mais razões tem para carpir. Não temos conflitos armados, regiões separatistas, tensões étnicas, catástrofes naturais de grande dimensão, climas agrestes, perigosos animais selvagens, doenças epidémicas, falta de liberdades ou crimalidade relevante. Conseguimos, no entanto, estragar estas benesses com ressabianço combinado com uma eterna insatisfação com o estado das coisas, com o sistema, com esta merda que é sempre a mesma, sem nos apercebermos que estas míticas entidades mais não são do que o resultado inevitável dos nossos vícios colectivos.

Camões, que detém um terço do passe deste feriado, engrandeceu um povo que com arrojo tudo conquistou, e por imprudência tudo perdeu. Quinhentos anos depois, temos uma classe política infantil, sindicalistas ignorantes, uma justiça disparatada, uma burocracia insustentável e um seleccionador que não leva o Quaresma ao Mundial. Está visto que é sina.

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