quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Em defesa da República Centro-Africana


“The idea that large historical events are determined by luck is profoundly shocking, although it is demonstrably true." – Daniel Kahneman

«Stringer Bell: "What are the options when you've got an inferior product in an aggressive marketplace?"
Stringer Bell’s Community College Business Professor: "You know, the new CEO of World Com was faced with this very problem. The company was linked to one of the biggest fraud cases in history. So he proposed . . ."
Stringer Bell: "To change the name."»
- The Wire

O trabalho do psicólogo israelo-americano, Daniel Kahneman, tem implicações capazes de abalar a estrutura do entendimento humano. O cientista demonstrou como o raciocínio é um processo altamente tendencioso marcado por vieses que nos levam a aceitar como verdadeiro e real aquilo que é falso e inexistente. Se por um lado é a nossa ignorância desses vieses que nos permite funcionar de forma eficiente, por outro muitas das nossas escolhas e impressões são determinadas por factores sobre os quais estamos complemente alheios.

As descobertas fenomenológicas relativas à irracionalidade da bolsa de valores são particularmente preocupantes. De acordo com o autor, em muitos casos existe uma maior eficiência num chimpanzé a atirar dardos num alvo do que num investidor a escolher as acções. A maioria dos investidores não tem sequer a capacidade de obter rendimentos superiores à taxa de valorização de uma determinada bolsa de valores. É possível prever fluxos de investimento tendo em conta a prevalência mediática das empresas. As pessoas que dizem ter previsto crises financeiras não foram mais do que apostadores sortudos num evento determinado por um número de factores muito superior à sua capacidade de processamento. Factores tão simples como o nome de uma empresa, ou a sua sigla, podem determinar desempenhos positivos na bolsa de valores.

É este último ponto que eu pretendo utilizar na minha defesa resignada da República Centro-Africana. As suas tragédias não se distinguiram num mercado continental particularmente saturado pela barbárie. A minha tese é que uma das razões principais para esse destino infeliz é que o seu nome monocórdico impossibilitou a formação de uma marca internacional. Parece redutor, mas convém dizer – sem ofensa, mas este é o pior nome de toda a história. O nome de um país deve ter um significado, aludir a uma história, fonetizar um sentimento ou transmitir uma impressão. Não pode representar uma mera caracterização geopolítica, especialmente quando o país possui aquele que é o pior aparato de relações públicas internacionais, impossibilitando-o de ordenhar a colossal glândula mamária da solidariedade ocidental.

Durante décadas, ouvimos falar de todos os países africanos. Todos os países do continente-berço têm um problema central, um atributo marcante, um motivo de fama, enfim, alguma coisa para posicioná-lo no imaginário ocidental e justificar as remessas de ajuda humanitária. Eles têm nomes exóticos como Malawi, Costa do Marfim, Congo e Zimbabwe. Alguns são os recipientes da atenção angelical de Angelina Jolie e da Madonna. Outros são chorados em canções medíocres patrocinadas pelo Bono. A região do Darfur, no Sudão, conseguiu a façanha de um dos seus mosquitos ter picado o George Clooney, infectando-o com a estirpe local de malária.

A Suazilândia tem a sida. A Somália tem os piratas. A Sierra Leoa tem os diamantes de sangue. Angola tem a Isabel dos Santos. A África do Sul compensa a sua limitação nominal com os seus feitos nacionais: o histórico fim do apartheid, um sistema democrático funcional, uma cultura poderosa, a liderança política regional e uma economia pujante. Na maioria a fome, sede, doença e guerra matam milhões numa forma chamativa o suficiente para projectar os clamores de aflição para um curto segmento nos telejornais do mundo ocidental. A República Centro-Africana, por sua vez, é uma representação paradigmática da marcha sombria de tragédias sem fim do Berço da Humanidade. Este é um país onde tudo o que pode acontecer de errado, acontece, e tudo o que pode ocorrer de mal, ocorre, muitas vezes numa sequência simultânea de tragédias simbióticas.

Durante o século XIX o país foi um mercado de tráfico de escravos. O país foi colonizado pelos franceses, cuja administração incluiu os abusos tradicionais de subjugação civil e violência generalizada, e durou até 1960. A independência nacional veio com a sucessão habitual de regimes autoritários, ditadores sanguinários, juntas militares e golpes de estado. A guerra tem sido especialmente prolífica neste pedaço de mundo – guerras civis, conflitos étnicos, milícias religiosas, insurgência rebelde e violência sectária. Neste momento o país parece estar a aproximar-se perigosamente do genocídio. Apesar de possuir todos esses atributos agregadores de solidariedade ocidental, o país é apenas o 83º maior recipiente absoluto de ajuda humanitária e o 69º maior recipiente em ajuda internacional per capita.

Os eventos históricos e a situação actual da República Centro-Africana são o resultado de uma confluência complexa de factores. Não pretendo fingir que entendo a tragédia da nação, submeter qualquer análise relevante ou oferecer qualquer solução para os seus problemas. No entanto, relativamente à sua instauração na mente da civilização industrializada, julgo que posso ajudar. O que a República Centro-Africana precisa é de uma campanha de marketing, algo que deve ser iniciado por uma mudança urgente de nome, e continuado de forma sistemática com vídeos virais de celebridades americanas. Aquilo que mais instiga o envio de dinheiro é o cultivo cuidadoso da culpa. Esse incitamento deve ser realizado de forma chamativa, pois, apesar de o mundo ocidental adorar pregar sobre as virtudes altruístas da sua alma caridosa,a verdade é que, se existe algo que nós não perdoamos, é o tédio.

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