quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Um Facto Particularmente Triste


“Being powerful is like being a lady. If you have to tell people you are, you aren't.” – Margaret Thatcher

Eu não tenho uma casa. Não me refiro a um edifício capaz de me abrigar da chuva, mas a uma cidade aonde eu pertença inteiramente. Eu nasci no Rio de Janeiro, onde vivi até aos onze anos, quando minha família mudou-se para Braga, onde vivi até aos dezoito. Por causa da faculdade, mudei-me para o Porto, onde vivi durante cinco anos. Há quatro meses que vivo em Lisboa, onde cheguei à conclusão que os pastéis de Belém nem sequer são os melhores pastéis que existem em Belém.

Isto não é um facto particularmente triste. Eu não medito sobre este assunto nas noites longas de chuva. É uma pedra no sapato. Como a segunda cerveja, é uma fonte ligeira de desorientação. Eu estaria a mentir se não dissesse que é incómodo ter levado uma existência seminómada que, como um circo itinerante, impossibilitou o assentar de raízes permanentes. O Rio de Janeiro é a minha cidade natal, mas a minha identidade é portuguesa. Braga é a cidade onde vivi os meus anos formativos, mas é a cidade dos meus pais. O único lugar onde consegui criar laços de familiaridade foi no Porto, a cidade adoptiva que, nos últimos cinco anos, foi para mim uma querida ama-de-leite.

Mas este texto não é sobre isso. É sobre um facto particularmente triste. É sobre a contínua obsessão nacional com galardões duvidosos. O nosso miserável costume de tentar capturar recordes mundiais com feitos como “a maior aula de judo do mundo”, “a maior aletria”, “a mesa mais comprida”, “o maior tacho de caracóis” ou “o maior pão com chouriço”. Se o nosso hábito de exaltar todos os feitos realizados por portugueses e por indivíduos com ligações remotas a Portugal pode ser considerado adorável, esta vocação para a adoração de troféus de plástico é incompreensível.

É neste sentido que a eleição da cidade do Porto, pela segunda vez, como “o melhor destino europeu do ano”, apoquenta-me. Não é uma honra verdadeira. Não é como se, num movimento espontâneo de reconhecimento alheio, o Porto tivesse sido condecorado pelo seu encanto como destino turístico. De forma a possibilitar a repetição o triunfo, ocorreu um movimento de “mobilização” para o incentivo ao voto online. Estiveram envolvidos neste esforço instituições como a Câmara Municipal do Porto, o Aeroporto Sá Carneiro e o Futebol Clube do Porto.

Aquilo que é triste é que nós somos talvez o único povo assolado pela pequenez de espírito necessária para encetar numa acção deste género. Certamente que não se ouviu o rufar de mobilização popular no rol das cidades “perdedoras” como Viena, Madrid, Berlim, Roma e Budapeste. Estas cidades são gigantes confiantes no seu valor que não viram a necessidade de corromper uma competição pela glória insípida de um prémio insignificante. A nossa justificação para esta campanha consistirá no seu potencial publicitário. Algo que, cujo efeitos, defendo eu, serão provavelmente residuais. A enorme valorização do Porto como destino turístico nos últimos anos deve-se a factores exógenos como o desenvolvimento de rotas de aviação de custo baixo. Os atributos centenários da cidade fazem o resto do trabalho.

Isto não é uma polémica e eu não estou a tentar criá-la. Eu não estou a tentar argumentar pela nulidade total deste tipo de iniciativa. É apenas um apontamento na margem do caderno nacional. Eu acho que somos um país maravilhoso e que não precisamos deste tipo de acção reveladora de complexos de inferioridade. Eu acho que o Porto é uma cidade deslumbrante que não precisa de se manter fixada em clichés antigos da “cidade do trabalho” e ideais vãos sobre a sua “singularidade”. Mesmo quando existem tantos que, como eu, considerem o Porto a nossa casa neste mundo.

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