sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Raios e Coriscos

A água molha. Numa altura em que no debate público ninguém concorda com ninguém sobre nenhum assunto relevante, num Universo que não compreendemos e numa Existência que não podemos compreender, o mínimo que se devia exigir era que a natureza aquosa da água fosse uma unanimidade. No entanto, sempre que São Pedro decide ligar a torneira celestial, a reacção que se observa nas pessoas ainda é a de uma surpresa desconcertante.

Eu entendo aqueles que se encontram a deambular pelas cidades sem a protecção amigável de um guarda-chuva no momento do dilúvio. Os seres humanos, como os animais terrestres que são, consideram que o contacto involuntário com a água é desagradável. Logo é natural que fiquem surpresos. É natural que corram e procurem abrigo. O que me irrita é que aqueles que se encontram dentro de edifícios, debaixo da protecção concreta de tectos e paredes, apresentam surpresa e incredulidade pelo facto de, no meio do segundo mês mais chuvoso do ano, estar a chover. E mais, não conseguem conter o impulso de partilhar com todos à sua volta, como Arquimedes na banheira, essa surpresa e incredulidade.

O frio esfria. O facto de temperaturas baixas incomodarem os seres humanos também faz todo o sentido. Como a nossa temperatura corporal é cerca de 37 graus, sentimo-nos mais confortáveis em temperaturas amenas. No entanto, sempre que os termómetros registam temperaturas ligeiramente abaixo dos 10 graus, o espanto e o choque surgem como se tivéssemos sido transportados, numa questão de segundos, do calor do deserto do Saara para o frio das tundras da Sibéria.

Com a chegada da demoníaca trindade de chuva, vento e frio, as pessoas transformam-se em criaturas soturnas e traumatizadas, entes dados às tendências insuportáveis do caseirismo de conversa de circunstância. Fogem para as lareiras e aquecedores com a paranóia de gazelas perseguidas. Pregam, com psicopatia nos olhos, o evangelho das portas e janelas fechadas, de modo a evitar a temível e letal, corrente de ar. Cobrem-se de mantas e cobertores. Comem chocolates e tomam chá numa regressão infantil de Peter Pan friorento. Ficam necessitados, irritadiços, frágeis e sonolentos.

Podemos discordar sobre tudo. Mérito artístico, valor estético, ideologia política, inclinação sexual, crença religiosa, tradição moral e clube futebolístico. Mas devíamos chegar a um consenso sobre os fenómenos meteorológicos. No Verão está calor e não chove; na Primavera está ameno e, às vezes, chove; no Outono está ameno e, frequentemente, chove; e no Inverno está frio e chove – muitas e muitas vezes. Todos sentimos frio e todos ficamos molhados. Eu sei que existe muita incerteza na previsão do estado do tempo. A meteorologia é uma ciência traiçoeira. Ela partilha isso com os piratas e as ciências económicas. Mas pelo amor de deus minha gente, isto não é metafísica, isto é meteorologia.

1 comentário:

  1. A meteorologia é, na verdade, uma ciência traiçoeira, como por exemplo, no Verão de 2010, fez muitíssimo frio, muitíssimo vento, muitíssima chuva, e tudo isso deu cabo de todas as flores do jardim.

    Mas que em Janeiro o frio é pura e simplesmente normal, todos os europeus sabem disso, mas pelo que li aqui, há um povo que ainda não sabe, como também ainda não sabe como lidar com as ciências económicas.

    ResponderEliminar