A água molha. Numa altura em que no debate público ninguém concorda com ninguém sobre nenhum assunto relevante, num Universo que não compreendemos e numa Existência que não podemos compreender, o mínimo que se devia exigir era que a natureza aquosa da água fosse uma unanimidade. No entanto, sempre que São Pedro decide ligar a torneira celestial, a reacção que se observa nas pessoas ainda é a de uma surpresa desconcertante.
Eu entendo aqueles que se encontram a deambular pelas cidades sem a protecção amigável de um guarda-chuva no momento do dilúvio. Os seres humanos, como os animais terrestres que são, consideram que o contacto involuntário com a água é desagradável. Logo é natural que fiquem surpresos. É natural que corram e procurem abrigo. O que me irrita é que aqueles que se encontram dentro de edifícios, debaixo da protecção concreta de tectos e paredes, apresentam surpresa e incredulidade pelo facto de, no meio do segundo mês mais chuvoso do ano, estar a chover. E mais, não conseguem conter o impulso de partilhar com todos à sua volta, como Arquimedes na banheira, essa surpresa e incredulidade.
O frio esfria. O facto de temperaturas baixas incomodarem os seres humanos também faz todo o sentido. Como a nossa temperatura corporal é cerca de 37 graus, sentimo-nos mais confortáveis em temperaturas amenas. No entanto, sempre que os termómetros registam temperaturas ligeiramente abaixo dos 10 graus, o espanto e o choque surgem como se tivéssemos sido transportados, numa questão de segundos, do calor do deserto do Saara para o frio das tundras da Sibéria.
Com a chegada da demoníaca trindade de chuva, vento e frio, as pessoas transformam-se em criaturas soturnas e traumatizadas, entes dados às tendências insuportáveis do caseirismo de conversa de circunstância. Fogem para as lareiras e aquecedores com a paranóia de gazelas perseguidas. Pregam, com psicopatia nos olhos, o evangelho das portas e janelas fechadas, de modo a evitar a temível e letal, corrente de ar. Cobrem-se de mantas e cobertores. Comem chocolates e tomam chá numa regressão infantil de Peter Pan friorento. Ficam necessitados, irritadiços, frágeis e sonolentos.
Podemos discordar sobre tudo. Mérito artístico, valor estético, ideologia política, inclinação sexual, crença religiosa, tradição moral e clube futebolístico. Mas devíamos chegar a um consenso sobre os fenómenos meteorológicos. No Verão está calor e não chove; na Primavera está ameno e, às vezes, chove; no Outono está ameno e, frequentemente, chove; e no Inverno está frio e chove – muitas e muitas vezes. Todos sentimos frio e todos ficamos molhados. Eu sei que existe muita incerteza na previsão do estado do tempo. A meteorologia é uma ciência traiçoeira. Ela partilha isso com os piratas e as ciências económicas. Mas pelo amor de deus minha gente, isto não é metafísica, isto é meteorologia.
A meteorologia é, na verdade, uma ciência traiçoeira, como por exemplo, no Verão de 2010, fez muitíssimo frio, muitíssimo vento, muitíssima chuva, e tudo isso deu cabo de todas as flores do jardim.
ResponderEliminarMas que em Janeiro o frio é pura e simplesmente normal, todos os europeus sabem disso, mas pelo que li aqui, há um povo que ainda não sabe, como também ainda não sabe como lidar com as ciências económicas.