quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Uma Ameaça à Democracia

No dia 3 de Janeiro de 1889, Friedrich Nietzsche enlouqueceu. Segundo reza a lenda, o filósofo alemão passeava pelas ruas de Turim quando, ao avistar um cavalo a ser chicoteado por um cocheiro, correu na direcção do animal e abraçou-o em prantos. A veracidade das particularidades equídeas deste episódio caricato nunca foi confirmada, mas naquela manhã fresca do Inverno italiano, sabemos com toda a certeza que o ilustre Nietzsche enlouqueceu, nunca mais recuperando totalmente as suas faculdades mentais.

É num estado análogo de loucura que encontramos o debate político da nação portuguesa. Ainda não se observam hordas de manifestantes a chorar abraçados a cavalos. Não temos as auto-imolações gregas, nem os massacres sanguinários americanos. A nossa loucura é outra. A nossa loucura é retórica.

A loucura é pensar que existem alternativas benignas à política do governo actual. A nossa loucura é o debate que parte do princípio que estamos a viver o pior momento de toda a história de todos os países que já existiram. A nossa neurose, a cruz que carregamos, o nosso sinal na testa é a retórica utilizada que advém da proposição que estamos perigosamente próximos do caminho com destino ao nível de vida da África subsariana.

É num clima apocalíptico que se debate em Portugal. As nuvens escuras adensam-se. A razão nem sequer se ouve no meio de todo o barulho. Fala-se da União Europeia como a única coisa que separa o continente europeu de um estado de guerra total. Fala-se do Governo como uma expressão política de fascismo. Fala-se de Passos Coelho como Salazar ou Hitler. Fala-se de Vítor Gaspar como o Anjo da Morte. Fala-se como se existissem portugueses a favor da fome, do desespero e da miséria. Fala-se de indiferença social. Fala-se da Constituição como uma Bíblia infalível. Fala-se, com seriedade académica e ódio nos olhos, de atentados à democracia. Sim, de acordo com estas almas iluminadas, nem mesmo a nossa pobre democracia sobreviverá às garras do neoliberalismo.

Uma proclamação em favor da democracia é um exercício de redundância. É como defender a paz mundial ou o acesso a água potável. Por mais que abundem comparações do Governo actual ao regime do Estado Novo, somos livres. Todos nós somos livres. Ainda que seja possível ouvir como uma frequência alarmante o brado “Fascismo nunca mais!” ou o rugido onomatopeico “Fascistas!”, lamento informar que o fascismo já não existe. A liberdade ganhou. Nós ganhamos. Eu acho que, trinta e oito anos depois da Revolução, devemos pelo menos esquecer este assunto, enterrar os fantasmas e, juntos, dançarmos sobre a cova poeirenta do Salazar.

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