sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Epilepsia Democrática

É interessante e ao mesmo tempo, é irritante - confirmar como os nossos pais, avós e professores estavam certos. Eles sabiam tudo e tudo o que eles diziam estava certo. A minha mãe a avisar estava frio e verificar, cheio de frio, que teria sido melhor eu levar um casaco. A minha avó a avisar que ia chover e verificar, encharcado, que teria sido melhor eu levar um guarda-chuva. O meu pai a avisar que a vida era difícil e verificar, com toda a certeza, que a vida é mesmo difícil. O meu avô a avisar que isto não anda para a frente e verificar, incrédulo, que, de facto, isto não anda para a frente.

Na semana passada, durante o caminho de casa, perto do Palácio de Cristal, o mundo parou. Um carro estava mal estacionado junto à berma, com a porta do motorista ainda aberta. À frente do carro, estava parado uma ambulância dos bombeiros, ainda com as luzes ligadas. Dois socorristas auxiliavam uma rapariga pálida sentada na berma. Um carro da Guarda Municipal também se encontrava parado à frente da ambulância. Dois agentes encontravam-se parados a alguns metros do local, a direccionar o trânsito. Um carro da Polícia de Segurança Pública passava no local, numa velocidade extremamente baixa, com os dois agentes a analisarem a cena. Uma ambulância do INEM chegou ao local, alguns segundos depois, com as sirenes ligadas, a irromper pelo trânsito em contramão.

Um grupo de populares encontrava-se à volta deste evento e formavam um grupo junto à rapariga. Transeuntes olhavam, desviavam as suas rotas, e juntavam-se espontaneamente ao grupo. A fila de trânsito aumentava cada vez mais e todos os motoristas olhavam para a rapariga. Alguns chegaram a sair dos carros. Mais pessoas saíam das casas e dos edifícios, brotavam das janelas com uma curiosidade alarmante e, com o desespero de refugiados junto a um camião de ajuda humanitária, receberam a sua dose diária de escândalo. À distância, grupos de reformados à porta dos cafés, discutiam o acontecimento. “Parece que ela teve um ataque de epilepsia” – disse um dos reformados. “Tiveram que telefonar três vezes ao INEM” – disse outro dos reformados. Duas ambulâncias, dois carros das forças de segurança, dezenas de pessoas – tudo isto por causa de um ataque epiléptico.

Isaltino Morais foi condenado a sete anos de prisão efectiva em 2009. Ainda está em liberdade, à espera do ouvir o veredicto do seu milésimo recurso. Miguel Relvas obteve uma licenciatura em Relações Internacionais depois da Universidade Lusófona conceder-lhe trinta e duas equivalências. É Ministro-Adjunto e tem a audácia pornográfica de não demonstrar qualquer intenção de se demitir. A deputada Glória Araújo foi apanhada a conduzir com um nível de alcoolemia alto o suficiente para ser considerado um crime. Também diz que não se vai demitir. Macário Correia, presidente da Câmara de Faro, foi condenado pelo Supremo Tribunal Administrativo a perda de mandato, devido a licenciamentos ilegais de construção. Recusa-se a abandonar o cargo, afirmando: “Estou condenado por razão nenhuma”.

A STCP realiza uma greve. Não cumpre os serviços mínimos inscritos como sacrossantos na Constituição. Os estivadores realizam uma greve onde não têm um único argumento a seu favor. Causam prejuízos na ordem dos mil milhões de euros e prometem mais. A CP realiza a sua milésima greve apesar de representarem um dos grupos de funcionários públicos mais privilegiados da nação. Não cumprem os serviços mínimos e voltam a marcar, igualmente pela milésima vez, uma greve a coincidir com um feriado, de modo a causar o máximo de transtorno para o utente e o máximo de conveniência para os grevistas. Há uma semana, o Governo decidiu obrigar os funcionários da CP e os seus familiares a pagarem os bilhetes para usufruir dos transportes ferroviários. O Sindicato, sem qualquer vergonha, interpõe uma providência cautelar.

Durante o Secundário tive amigos que frequentavam aulas de Inglês do 11º ano sem saberem dizer uma única frase em inglês, com sujeito e predicado. Nas aulas de condução ensinam-me que não posso transpor linhas contínuas e que esse acto constitui uma “infracção muito grave”. Na manhã seguinte observo um carro da PSP a transpor uma linha contínua enquanto os agentes se encontram na viatura, sem cinto de segurança. Não estavam a caminho de nenhuma emergência. O maestro Graça Moura gastou 720 mil euros do Estado Português em itens tão variados como charutos, passeios de balão, cuecas de fio dental, jóias, vinhos raros, quadros, refeições, estadias em hotéis de luxo e um frigorífico, comprado na Tailândia. Afirmou que gastou esse dinheiro a promover no estrangeiro a Orquestra Metropolitana de Lisboa no estrangeiro. Foi condenado a pena suspensa. Mantém a sua inocência.

Ninguém assume a culpa por nada. Não existe responsabilidade. Não existe ética. Não existe honra. O PCP continua por aí. Comemora-se a emissão de mais dívida. E nos cartazes da Geração à Rasca lêem-se pérolas demagógicas como “Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”. Dizem que “as pessoas não são números”. Reclama-se da emigração para países mais desenvolvidos onde se recebem salários mais altos. É por estas e por outras que estamos neste estado civilizacional deplorável. É por estas e por outras que, nas palavras solenes do meu avô (menos o palavrão), esta merda não vai para a frente.

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