sexta-feira, 21 de março de 2014

Palma

Amanhã o Público lança, no contexto da Colecção Canto&Autores, o CD de estreia do Jorge Palma, acompanhado por um livro que recorda a sua vida e obra. Custa menos de sete euros, e vou adquiri-lo.

O álbum não é, musicalmente, o meu predilecto do artista. É, no entanto, um álbum rico em duas vertentes. Primeiro, o contexto histórico justifica redobrada atenção ao seu processo criativo. Em 1973, largou o país e voou para norte, onde se instalou como exilado político na Dinamarca. Sempre preferiu passear a guitarra pelo mundo civilizado do que a espingarda pela África colonizada. Arranjou emprego num hotel, que serviu de sustento enquanto escrevia e compunha canções em casa, onde vivia com a sua primeira mulher. Foram essas composições que publicou em 75, de regresso a um Portugal livre. Tal como na música, partilhou com os ouvintes a aventura fora do país e deu-lhe o seu infalível cunho pessoal: baptizou o álbum de "Com uma viagem na Palma da mão".

Musicalmente, e é esta a segunda vertente, acusa natural juventude. A voz, essa então, é quase irreconhecível, virgem da rusticidade que os anos de álcool e tabaco lhe conferiram. Apenas em alguns momentos se reconhece o timbre, como numa foto antiga em que as feições são as mesmas.

Quase todas as músicas do "Com uma viagem na Palma da mão" foram ignoradas pelo tempo, mesmo pelo próprio. Contudo, há que destacar um ambiente de música de intervenção distinto dos demais. Mais vivo, mais cosmopolita, mais optimista dentro da desgraça. Tem influências que o acompanharão no resto do percurso musical, como os acústicos americanos Bob Dylan e Simon & Garfunkel, mas também com muito bluegrass, muito jazz. Houve-se também muito Elton John nas entrelinhas. Mostra também já a poesia de que é feito, o lirismo que o destacará como um dos artistas portugueses mais consagrados.

Tive o prazer de o ver duas vezes ao vivo. Uma foi a solo, no Coliseu, onde actuou com o seu filho Vicente. A outra foi com os Cabeças no Ar, uma fantástica superbanda portuguesa de apenas um álbum, composta pelo próprio, por João Gil, Tim e Rui Veloso. Foram a Guimarães, e protagonizaram um extraordinário concerto, genuíno e íntimo.

Actualmente, a sua imagem pública é desgraçada. Graças a recorrentes episódios de duvidoso decoro, as pessoas apenas reconhecem a Jorge Palma os vícios que este não faz por esconder e só conhecem as músicas mais recentes, a anos-luz da genialidade que foram as suas composições, sobretudo no percurso ascendente de maturação dos anos 80 e que lhe permitiu expelir pérolas como o brilhante "Lado Errado da Noite".

Felizmente, a obra está aí e é demasiado boa para não ser partilhada. Rogo aos amantes da boa música que percam tempo a explorar o portefólio de um homem que transpira música, de um aventureiro, de um artista que eleva este epíteto à sua verdadeira dimensão, uma dimensão de mais sofrimento do que prazer, mas dentro da inevitabilidade de um percurso que lhe estava traçado no sangue.

As pessoas merecem conhecer a tua poesia musical, a tua música poética. Faço a minha parte, Jorge, o resto é contigo.

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