segunda-feira, 17 de março de 2014

Há ler jornais e há ler o Expresso

O meu processo semanal de leitura do Expresso é faseado e ritualizado. Começo, como em quase todas as publicações periódicas, pelo final. Exploro celeremente a contracapa, lendo sem atenção curtas notícias e a crónica de um dos Henriques, o mais velho, o Monteiro, homem de verdades, mas de arrogância infundada.

Prossigo na mesma direcção, em contramão. Segue-se o desporto, leitura desnecessária por eu obter toda a informação de que necessito nesta área de outras fontes mais especializadas. Leio na mesma, contudo, pela frescura da escrita que transforma totalmente a abordagem aos temas; e por, admito, não resistir a sugar toda a informação, mesmo que redundante, sobre o desporto-rei. Nesta secção, é agradável acompanhar a tabela “Palpites”, em que figuras públicas afiançam semanalmente aquele que eles acham que será o desfecho dos jogos dos grandes; são-lhes posteriormente atribuídos pontos por cada palpite certeiro. E é sintomático ver este ano a posição de Manuel Serrão, incorrigível portista e optimista, que augura sempre o sucesso do seu clube e o insucesso do rival, e que figura no último lugar da tabela classificativa.

Desfolhando mais para trás, descobre-se o In Memoriam, um texto necrológico acerca de uma figura internacional relevante que tenha falecido na semana relativa à publicação. O conceito é idoso, mas assume uma nova alma por ser assinado pelo genial José Cutileiro, que produz autênticas odes a heróis e vilões, a homens cuja história de vida, muitas vezes, ignorava e que passo conhecer, fascinado pelo factual de que a história se encarregou, e pelo lírico que Cutileiro, um ex-embaixador que sabe tudo o que há para saber acerca da diplomacia internacional, se incumbe brilhantemente de redigir.

A seguir, opinião. Um antro de ódios, paixões e indignações com o condão de não permitir que nenhum leitor o explore sem sentir também ele ódios, paixões e indignações, sejam os mesmos, sejam exactamente os opostos. Delicio-me com o segundo Henrique, o mais novo, o Raposo, sujeito que imagino insuportável no convívio diário, mas de inegável talento e perspicácia. A seguir, um pouco de Daniel Oliveira, sempre divertido em doses moderadas, de punho erguido contra o sistema, que tem a particularidade de conseguir ser histérico organizadamente. Discordo das suas ideias, mas sabe expô-las; grita e barafusta, mas através de alíneas.

De seguida, os gémeos Avillez Figueiredo e Pedro Adão e Silva. Não tendo relação de sangue, são gémeos de género: dois senhores à volta dos 40 anos, jornalistas-politólogos de profissão, que escrevem na mesma página do jornal, expressando as mesmas preocupações económicas, usando o mesmo registo que alterna a subtileza da ironia com a dureza dos números, por baixo de uma foto com um sorriso semelhante. Leitura que tem tanto de útil como de fastidiosa.

A seguir, alto lá. Com uma rápida vista de olhos às páginas seguintes, concluo que surgem em número alarmante as palavras empreendedorismo, franchising, marketing, administração, inovação científica, tecnologia, estratégia, gerenciamento e globalização. Não é para mim, voltarei à linearidade da imprensa clássica e recomeçarei pelo início.

Pedro Santos Guerreiro recebe-me com um rasgado sorriso, cuja jovialidade não consegue reproduzir na palavra escrita. Ricardo Costa é, em bom português, um chato de merda. Não deve dar para aguentar dez minutos à mesa com este enfadonho e maçador indivíduo. É um tipo inteligente, mas é cinzento, sem carisma e sem relevantes aptidões. Raramente perco tempo a ler os seus escritos. O extraordinário Pedro Mexia, um oásis de inteligência e ponderação, fecha com chave de ouro a minha exploração dos artigos opinativos. Nunca leio o Sousa Tavares: armado em paladino da (sua) verdade, é mais socialite que jornalista; tem a mania que é polémico, mas é inócuo e desconhecedor.

Finalmente, chego às verdadeiras notícias, na pureza do conceito. Política nacional, economia, mundo. Notícias a fundo, que se distanciam do padronizado formato e das já muito disseminadas informações, intercaladas com curiosas reportagens e interessantes entrevistados. Design organizado e discreto, informações gráficas constantes e relevantes. A crise na imprensa é muito mais que económica. Consequência ou não da menor procura, a inevitável adaptação dos órgãos de comunicação ao jornalismo 2.0. não precisava de passar, mas passou, por uma deterioração dos princípios jornalísticos. Não porque os princípios foram esquecidos; são, de resto, constantemente evocados. Mas são ignorados, por grande parte da comunicação, seja em nome de um bem maior, a subsistência, seja em virtude da pura inabilidade dos profissionais. Neste contexto, parece-me importante realçar a qualidade do trabalho jornalístico do Expresso, longe da perfeição, mas que é competente sem ser elitista, informativo sem ser maçador.

Dito isto, uma breve crítica: entendo que a imensidão de conteúdo complique o processo que vou sugerir, mas deviam considerar um formato mais compacto. Até a mim, portador de compridos membros superiores, a leitura do jornal é um desafio, uma constante luta contra as colossais páginas que insistem em mover-se, em que as letras na parte superior da página são ilegíveis e em que cada desfolhar é semelhante ao movimento de nadar de bruços. Corrijam isto, caros editores, e terão em mim um fã para a vida.

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