António Costa passou a campanha toda num limbo que deixa
qualquer eleitorado confuso. Esteve perdido entre a retórica da ideologia ultra-liberal
e o pragmatismo dos números. Por um lado, quis combater o ataque aos serviços
públicos e seus funcionários; por outro quis descolar-se da
figura que representa os pecados das políticas públicas que antecederam o
resgate. Não deixa de ser curioso que tantos socialistas apontem agora o dedo a Marcelo por essa táctica demagógica.
Esta estratégia saiu furada: a esquerda acusou os ataques e nem lhe confiou o voto útil; a
direita, maioritariamente moderada, continuou a ver em Costa um perigoso
regresso ao passado. Costa perdeu as eleições para primeiro-ministro, mas
ninguém sabia ainda que espaço parlamentar ocuparia. Depois das eleições, por
via de acordos pós-eleitorais, obteve-se uma resposta às dúvidas do eleitorado:
este PS assumia o poder executivo e colava-se definitivamente à esquerda. Não
foi uma opção, foi uma necessidade. Costa é um fantoche partidário e deixou-se
manipular de forma em tudo semelhante à maneira como se deixou levar por pressões internas para trair Seguro.
O governo está na fase de lua-de-mel. Agora, para além de
corrigir disparates pegados – o restabelecimento dos feriados era presumível e
saúda-se - e provocar as suas próprias ideias descabeladas – a alteração do
regime de exames a meio do ano lectivo é unanimemente absurdo – somam-se
medidas que têm em comum um aumento progressivo da despesa. Isto é, por si só,
um problema. Mas mais do que isso, emana uma perigosa mensagem de que
toda a austeridade e controlo orçamental mais não foi do que instauração à
força de um regime ideológico anti-Estado.
Louvam-se algumas ideias. Em relação às taxas moderadoras, caminha-se para uma solução equilibrada entre o regabofe e o desumano. Se calhar a perigosa mensagem de que entramos numa nova fase dourada não seria tão forte se o governo não
dependesse de dois partidos que fizeram dessa ideia uma
bandeira, e que acreditam piamente que a dívida é mitologia neo-liberal.
A
reposição das 35 horas semanais merece uma discussão por si só. Foi medida
prioritária do governo e anunciada para entrar em vigor a 1 de Julho. Como os partidos que suportam o governo exigem que esta seja implementada no imediato, o Ministério das Finanças já arranca cabelos e garantiu que "irá propor soluções para concilar a semana de 35 horas com o imprescindível controlo da despesa pública". Coitados: começam a deparar-se com a frustração de tentar que a lógica e o bom senso imperem, mas acabar esbarrar contra um muro de teimosia e interesses. Despesa pública, que coisa estranha é essa? Planeia-se portanto agora uma greve geral altamente irresponsável e
que retira toda a credibilidade das greves que marcam lutas verdadeiramente
importantes. Os sindicatos dão constantes tiros nos próprios pés, levando a que
a opinião pública lhes seja adversa e que ninguém os leve a sério. O problema é
que, agora, a máquina corporativa que controla todos os poderes sindicais tem uma
faca no pescoço do primeiro-ministro.
Quando o acordo de esquerda foi assinado, faziam-se apostas
sobre quem seria o primeiro a provocar o divórcio: António Costa, quando as
sondagens indicassem que podia ir a votos com segurança; Catarina Martins, quando
percebesse que a sua génese anti-sistema não se coaduna com uma posição de
poder; ou Jerónimo, a qualquer momento. Costa tem para já mãos atadas; Catarina
Martins segura-se, por um lado por orgulho, por outro, quero crer, se calhar ingenuamente, por responsabilidade. O PCP, esse, vai controlando as marionetas. Quando
se argumentava que este acordo com a extrema-esquerda era perigoso não se
estava a voltar à retórica dos comunistas que comiam criancinhas, como quiseram
caricaturar alguns defensores. Estava-se a falar, isso sim, deste tipo de chantagem.
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