quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Mão estendida



Brincar aos presidentes tem os seus custos. Paulo de Morais ignorou-os e propôs-se a uma solitária jornada contra os males da corrupção, um paladino pronto a batalhar esse grande cancro do serviço público. A sua campanha foi, no entanto, leviana. Repleta de acusações ocas, dedos apontados para o vazio e uma exaustiva insistência no mesmo fruto sem sumo. Rapidamente foi rotulado de demagogo e inconsequente, e a sua campanha perdeu o seu natural fulgor anti-sistema.
Paulo de Morais decidiu correr para a presidência sem riscos. Se ganhasse, ocuparia o cargo político mais elevado da nossa república. Se obtivesse um bom resultado, teria as despesas de campanha pagas e sairia altamente credibilizado para um eventual regresso definitivo à vida política. Se nas urnas as coisas não corressem bem, Paulo Morais teria as despesas pagas por donativos do povo.
O progressivo afastamento dos partidos das candidaturas presidenciais é de salutar. Ajuda sobremaneira à independência dos actores e dos poderes. No entanto, a decisão de concorrer ao cargo tem de ser suportada por mais do que alguns comentários nas redes sociais. Se alguém se quer candidatar a Presidente da República e não consegue arranjar previamente algumas dezenas de milhares de euros para o fazer, está a correr sozinho e para realização pessoal e a sua tentativa é dispensável.
Mas nada disto seria para mim tão ultrajante se não fosse a imagem que encabeça este texto e que foi partilhado pelo próprio Paulo de Morais. Este narcísico defensor da pureza política podia ter tentado angariar preventivamente o dinheiro necessário à candidatura, aproveitando até assim para averiguar a sua base de apoio. Preferiu, no entanto, estender a mão aos seus fiéis eleitores, depois de derrotado, para que lhe paguem uma campanha de auto-promoção mal planeada e sem controlo, utilizando uma imagem que só se costuma ver acompanhada de fotografias de meninos africanos ou vítimas de violência doméstica, não de um homem do sistema a fingir-se mártir.
Há uma boa razão para a existência de subvenções estatais para as candidaturas em Portugal. Visam garantir que os apoios privados não interferem nos resultados democráticos. É um grande problema, por exemplo, nas eleições norte-americanas, regionais ou nacionais. Os donativos privados levam a que os sufrágios sejam comprados por aqueles que tiverem mais dinheiro. Depois, naturalmente, os legisladores eleitos irão beneficiar politicamente aquelas empresas que contribuíram para a sua eleição. É uma lógica óbvia e altamente anti-democrática que se faz bem em combater. De resto, a nível de curiosidade, partilho uma proposta recente na Califórnia de um grupo que quer exigir que os legisladores utilizem na sua roupa os logótipos das marcas que mais generosas doações fazem aos respectivos, como fazem os corredores da NASCAR. Dessa forma, toda a gente saberá explicitamente para quem é que eles realmente trabalham. Por muito demagógica que possa parecer a ideia, é um abrir de olhos para a realidade da influência de dinheiros privados nas causas e consequências das políticas públicas.
Quando Paulo de Morais fala de querer combater a corrupção, estará em grande parte a falar de retirar dinheiros privados da política. A ironia de querer travar essa luta à custa de dinheiros privados requeridos postumamente é impagável.

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