Agradeço o intento prestado pelo cansaço acumulado da queima,
que somente após a fatídica final europeia consegui saciar, mas revelou-se
insuficiente. Entretanto ocupei-me a distrair-me com a beleza intemporal de
Audrey Hepburn em "Roman Holiday", filme que lhe valeu o primeiro dos seus três
Óscares, com a loucura de Tony Montana, mediada entre problemas no processo de
raiva e os efeitos histriónicos do consumo excessivo de cocaína, com dois dos
melhores álbuns de Elton John (“Madman Across the Water” e “Capitan Fantastic
and The Brown Dirt Cowboy”), que como nem toda a gente sabe se encontram no
início da sua carreira, recorri à
inestimável companhia de Dostoiévski e Umberto Eco, comecei a ver “Arrested
Development”, vi novelas, vi documentários no Odisseia sobre a crescente raridade
do panda vermelho, que actualmente só com muita dificuldade se consegue
encontrar no seu habitat natural, a complicada subsistência do urso polar, no
Verão do Ártico, quando o gelo derrete, a ímpar essência do tamboril, o peixe
pedestre, e a fascinante história da Titanoboa, uma espécie de cobra extinta há
já 60 milhões de anos, cuja existência se conhece pela comparação das suas
vértebras fossilizadas com as das cobras actuais, permitindo seguramente
inferir que tivesse cerca de 13 metros de comprimento, 1,1 metros de diâmetro e pesasse
mais de uma tonelada, tentei autohipnotizar-me com cartazes do “Spring Breakers”,
bem como estive com amigos, bebi, fumei os necessários cigarros e bebi e fumei, mas pura e simplesmente
não dá. A normalidade não é um bom lar para a desolação, sendo o seu único.
Acho difícil acreditar nas Moiras, as três irmãs que
conjuntamente teciam o destino de homens e deuses. Também me mostro algo relutante quanto a ser Deus a escrever todos os pergaminhos da nossa existência. Pelo que
ficarei valentemente chateado caso chegue ao céu e a santíssima entidade efectivamente
exista. Significaria que o xoninhas teria ficado este tempo todo na cobardia de
não comprovar a sua existência, após ter enrabado, e sem vaselina, espiritualmente a nação
benfiquista. Apesar de a situação não ser do pior que o Senhor do Universo alegadamente
consegue [ver a Bíblia], é o suficiente para ter a obrigação de prestar contas.
Peço-lhe encarecidamente que vá contemplar criações suas, nomeadamente a Scarlett Johansson, a
Olga Kurylenko e a Allison Brie e deixe o Benfica arredado do seu experimentalismo
trágico-dramático.
Acredito na concepção abstracta de fado português quando é compreendido
como a constatação de um elemento fatalista numa história já passada. É dessa
sina malfadada que o primado de Jesus se caracteriza, com o capítulo apoteótico
a dar-se nesta época. A genuflexão (nunca pensei conseguir arranjar contexto
para utilizar esta palavra sem ser em argumentos porno) de Jesus no Dragão,
prostrado e incrédulo, foi a sua representação perfeita. Recordemos o que
aconteceu na totalidade do assombrado reinado jesuíta: Benfica campeão nacional na primeira
época; na segunda, o Benfica perde 5-0 no Dragão e é eliminado nas meias-finais
da Liga Europa com o Braga; na terceira, o Benfica infantilmente concedeu na
segunda metade da época uma vantagem de oito pontos, cinco deles em jornadas
consecutivas contra Vitória e Académica, e o Porto termina por festejar na Luz;
nem sequer preciso de me dar ao trabalho de descrever a actual. Reparar, unicamente,
que se encontra incompetência relativamente ao campeonato, o empate caseiro com
o Estoril simplesmente não poderia ter acontecido, e ausência de fortuna
relativamente à Liga Europa, pontificada pelos contornos da derrota, por si só
já dolorosos, mas ampliados ainda pela similitude com o que tinha sucedido
no Dragão.
O legado de Jesus vive desta ambivalência: devolveu o
Benfica à disputa, mas não a consegue ganhar. Voltámos a ombrear
verdadeiramente com o Porto em domínio nacional, mas perdemos sempre no
ombro-a-ombro. Nas alturas de fogo, quando a vitória tem de acontecer, o
Benfica claudica invariavelmente. O Benfica de Jesus tem o mérito de finalmente
parecer à altura dos desígnios de um clube com a sua dimensão e o demérito de
não os conseguir alcançar. Tendo a próxima época como inflexível limite, sou
ainda assim favorável à continuidade do técnico da Amadora.
É inevitável os portistas da minha geração lerem este texto através
de uma confortável superioridade. E é legítima, é alardeada pela sobranceria da glória. Mas também eles sabem da felicidade da sua condição, e que a posição hegemónica da última década, sensivelmente, poderá ser agora ramagem caduca. Pretendi isolar especialmente a
parte atinente ao período de Jesus enquanto treinador do Benfica, mas é até
simples recordar outros períodos da história recente do clube que podem ser
adicionados à sina que me despendi a retratar. Ainda assim, benfiquistas, nada
temeis. Leiam Shakespeare, “Péricles”, onde o dramaturgo se compadece a demonstrar
que até o mais dramático dos cenários pode conhecer um final feliz. Temo-lo do
nosso lado para a próxima época, em que é absolutamente inaceitável a possibilidade de não ganhar novamente o
campeonato. E fazê-lo não é, diga-se, mais do que a nossa obrigação.
Sem comentários:
Enviar um comentário