sexta-feira, 4 de abril de 2014

O Segredo


“So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past.” – F. Scott Fitzgerald

Quando ouvi o anúncio do lançamento de mais uma versão cinematográfica do The Great Gatsby, eu já sabia a resposta. Não iria ver. Por diversas razões: uma questão de nojo, quando deparei-me com a sobre-estilização de Baz Luhrmann; uma questão de princípio, por ter preconceitos quase fundamentalistas sobre a adaptação fílmica de certas obras literárias; e uma questão de pragmatismo - não consigo entender como qualquer ser humano lê a frase final do romance, que exponho na epígrafe, e pensa que é possível capturar isso com uma câmara.

O escritor corre um risco sério com este tipo de frase: a hipótese da pretensiosidade. Corre-se o risco de se parecer moralista sem oferecer conteúdo palpável. Quando executado com destreza e cautela, o resultado final são os mandamentos universais da humanidade - frases apreciadas mesmo por aqueles que nunca abriram o livro de onde foram retiradas. Quando executado com arrogância e desleixo, o resultado final são obras de auto-ajuda e livros do Paulo Coelho. Mas, verdade seja dita, eu tenho uma fraqueza terrível por esse tipo de obra.

Não por achar o seu conteúdo particularmente relevante para a Angústia Humana, mas porque a sua visualização permite-me experienciar o tipo de ódio pulsante do qual eu necessito com o mesmo ímpeto que um arrumador de carros necessita de heroína. Todas essas obras afirmam possuírem a receita sagrada, a solução instantânea, o pó de perlimpimpim, a poção encantada e a panaceia universal. Para mim começou com “O Segredo”. Esta peça audaz afirmava que o pensamento positivo não era apenas um mantra motivacional. Era um fenómeno neurológico com resultados tangíveis. De acordo com os autores, um pensamento positivo emite uma frequência para o universo, e, se essa frequência for positiva, o universo corresponderá igualmente com frequências positivas.

Ou seja, se pensarmos num Ferrari vermelho na nossa garagem, em rios de dinheiro a correrem na nossa direcção e numa supermodelo estoniana na nossa cama, o universo acabará por providenciar esses desejos. Como é óbvio, a absurdidade desta asserção é tão evidente que a sua mera enunciação deveria acarretar pena de morte automática. Mas isso não evitou que “O Segredo” se transformasse num livro que vendeu vinte milhões de cópias e num documentário com receitas de sessenta e cinco milhões de dólares. Tudo isso com um certificado de recomendação da Oprah Winfrey, o mais próximo que o século XXI tem de um selo de aprovação da Santa Inquisição. Entre 2007 e 2011, “O Segredo” foi o livro mais vendido em Portugal.

No entanto, essa obra é uma aberração particularmente aberrante. A maioria das obras deste género possui apenas asserções inofensivas que não ofendem a mais humilde das inteligências. Mas existe um atributo comum entre todas estas obras que me parece fulcral: a importância de se saber o que se quer. Se o indivíduo tem esta informação, o resto passa a ser uma questão de perseverança. O meu problema é que eu não sei o quero, tampouco sei para onde quero ir. Qualquer que seja o desejo, a possibilidade ou o cenário, eu sou capaz de conceber mil razões positivas e mil objecções negativas. Na minha consciência não existe um debate frutífero sobre as valências e os riscos.

E a razão para esse combate mental interminável é que não possuo a capacidade de auto-ilusão. Aqueles que conseguem concretizar os seus sonhos devem necessariamente possuir a capacidade de, consciente ou inconscientemente, ignorar tudo aquilo que pode correr mal. E, como liricamente nos diz Fitzgerald, o passado é um colete-de-forças pesado. Por mais que a perseverança e o pensamento positivo ajudem, o verdadeiro triunfo surge apenas quando somos bem-sucedidos na tarefa hercúlea de nos iludirmos e esquecermos a vergonha dos erros do passado e, ao contrário do que muitos afirmam, não existe nenhum segredo para nisso.

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