segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Série "A Esquerda Portuguesa" - 2ª Parte - A Esquerda Estalinista


“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.” – Constituição de 1976 da República Portuguesa

“Socializar os meios de produção e a riqueza, através das formas adequadas às características do presente período histórico… e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem.” - idem

“O PCP é perfeito? Não. Nada é perfeito na construção humana. Mas é o mais próximo da perfeição.” – Honório Novo

As dúvidas abundam. Nem sei bem por onde começar. A tarefa é hercúlea, sisífica e ingrata. Não me agrada criticar de forma tão dura uma fatia assustadoramente significativa dos meus compatriotas. Também não gosto de bater em cegos, ou de cantar para os surdos, e muito menos de antagonizar os mudos. Cegos, surdos e mudos a liderarem cegos, surdos e mudos. No fundo, é isto que esta gente é. É a forma mais gentil de caracterizá-los. As outras formas envolveriam termos mais agressivos, como palavrões maliciosos, envolvendo as minhas dúvidas sobre a inteligência desta gente, e maledicências científicas, como as designações oficiais de doenças catalogadas pela psiquiatria, que envolveriam as minhas dúvidas sobre a sanidade mental desta gente.

Não sei se devo tratar o Partido Comunista Português como o habitat natural e único desta espécie muito exótica da Esquerda Portuguesa, ou se devo ignorar os pequenos fungos comunistas que vão a votos de quatro em quatro anos para receberem um certificado desaprovador da sua existência patética: o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, o Movimento Alternativa Socialista e o Partido Operário de Unidade Socialista. Isto é gente que acha que o PCP faz parte dos “partidos do poder”, que acha que a sua forma ortodoxa de interpretação da doutrina marxista não passa de uma deturpação neoliberal de patifes capitalistas.

Se tenho as minhas dúvidas sobre a dissecação do PCP, imaginem as dúvidas que surgem quando me confronto com estes tumores sectários. Isto é gente inqualificável. A língua falha. Não há palavras, nem gestos. Por isso, no âmbito desta humilde análise, não serão mais mencionados. Consideremo-los por um instante e apenas um instante. Depois, a sua presença maniqueísta será levada pela brisa leve, como o ar fétido de uma flatulência discreta, que, depois de causar alguns segundos de sofrimento e riso nos presentes, nunca mais retornará para assombrar a consciência humana com a indecência do seu ser.

A intenção dos comunistas é clara. Infelizmente, eles não são tímidos. Eles não são discretos. Está logo ali, à mão, inscrita na sua marca registrada, a foice e martelo, cruzados, reminiscentes simbólicos do trabalho, num mar emblemático de vermelho. Quando iniciei o meu percurso académico, vi na Semiótica uma ciência oculta, uma corrente mística, digna de xamãs e astrólogos, virada para o seu umbigo cerimonial, e inútil na sua dissecação dos elementos básicos da comunicação. Agora, parece-me a ferramenta perfeita, algo que, curiosamente, é aquilo que uma foice e um martelo decididamente não são. O que é que diz sobre uma causa quando o seu logótipo consiste na exposição gritante de duas ferramentas agrícolas, quase obsoletas na sociedade moderna, cuja utilização ubíqua em tarefas de sobrevivência está restrita a países subdesenvolvidos, envolvidos em guerras e imersos em fome, e muitas vezes rendidos aos encantos enganadores dessa mesma causa? Eu digo-vos: diz muito. Essa simbologia revela-nos que a causa comunista existe para servir os interesses da causa comunista, e não para trazer ao mundo a utopia de igualdade e prosperidade que os seus manifestos fazem de tudo para pintar com pinceladas realistas.

Aqui reside a contradição mortal que destrói a legitimidade existencial deste movimento. A validade do comunismo já não existe, tendo sido anulada quando o mundo deixou de ser o lugar onde a vida era “solitária, pobre, sórdida, brutal e curta”. O mundo que levou Karl Marx e Friedrich Engels a dissertar sobre a crueldade do contrato capitalista, sobre a alienação individual intrínseca em sistemas de propriedade privada e sobre a escravidão salarial, foi, em grande parte, extinto pelas forças verdadeiramente revolucionárias do mercado, pelo seu poder incomensurável de catalisação de mudança positiva e pela sua potencialização avassaladora da liberdade individual. A poesia da relação entre a simbologia comunista e o lugar da ideologia no mundo de hoje é óbvia e a minha pena é que não seja igualmente óbvia para todos, especialmente para aquelas pragas egípcias que habitam em Setúbal, Lisboa e no Alentejo, e que continuam a achar, teimosamente, que a política é uma "luta", um empréstimo condicional é um "pacto de agressão", e que a tentativa de igualar despesas e receitas é a "destruição do Estado social".

Em outras palavras, o Jerónimo de Sousa há muito que deixou de ser o líder de um partido político com esperanças, mesmo que ténues, de chegar ao poder, mas sim o líder de um grupo de múmias acordadas que tenta, a todos os custos e sem se importarem em poluir o debate público com o seu bafo pestilento, manter os seus respectivos lugares de proeminência social e relevância mediática, e todos os tachos, benesses e privilégios que a sua condição de actores políticos acarreta. Mesmo que para isso tenham que evitar ao máximo afirmar que são comunistas, daqueles que apoiariam, nos dias de hoje, a União Soviética ou a China Maoísta, desde que isso permitisse a manutenção do seu estado de graça. Quando o PCP vai a votos, utiliza a designação mais simpática de CDU, a Coligação Democrática Unitária, uma entidade cuja nomenclatura tem tanto valor de aplicação prática como a “República Democrática do Congo” ou o “Ministério para a Suprema Felicidade do Povo”.

Gostaria muito de poder escrever aqui sobre os atributos positivos associados a este movimento político – boa música, boa erva e militantes femininas de beleza helénica – mas isso enfraqueceria a minha tese. Portanto aqui afirmo, sem quaisquer reservas, que ouvir um comunista discursar é o equivalente ao sofrimento sonoro que surgiria se um trio eléctrico baiano tivesse um filho com uma parada militar norte-coreana. Aquilo que ouvimos não faz sentido, não tem qualquer base factual, está completamente desligado da realidade, ignora décadas, séculos e milénios de história, fala de dignidade sem ter tido o trabalho de ver a sua definição num dicionário e, além disso, assustam-me. Aliás, aterrorizam-me.

Eles fazem um excelente trabalho em esconder as suas facetas mais perturbadoras. Em público, limitam-se a alimentar a impaciente besta mediática com soundbytes de indignação vazia. No Parlamento, dão soluções populistas e absurdas, desconectadas das regras da aritmética, como a revitalização do sector da construção civil. Eles reservam a loucura para os seus canais de comunicação oficiais, como a revista “Avante!”, onde recentemente li um artigo iluminado, escrito por um membro feminino da comissão do partido, em que escrevia, com a acutilância mordaz da tradição literária queirosiana e com a erudição isenta dos sociólogos portugueses, que os resquícios actuais do conflito coreano tem duas divisões claras que correspondem, de forma inequívoca, ao certo e ao errado. Um dos lados, localizado no norte e correspondente ao certo, é uma nação de paladinos do proletariado, que, depois da guerra, desenvolveram a sua indústria e garantiram um amanhã mais feliz aos pequenos norte-coreanos*. A outra nação, mais ao sul e correspondente ao errado, foi invadida pelo grande capital americano e retirou das mãos do povo o sonho de uma nação esfomeada, isolada e nominalmente comunista.

Sou suspeito, admito. Venho de uma família de talhantes minhotos, conservadores, católicos e amantes da sua propriedade, que considera como verdades absolutas, entre várias ideias, a de que, depois do Mondego, acaba a nação portuguesa, passando apenas a existir uma vasta planície de ninguém, feita de fogo e cinza, povoada por comunistas armados com engaços, ansiosos por nacionalizarem fábricas e erguerem punhos. Mas a Esquerda Estalinista não nega quem eles são. Esta análise é influenciada pela minha cultura, mas não é unicamente derivada por preconceitos ideológicos que daí poderiam advir. Eu limito-me a respeitar o poder básico dos números e estatísticas. A imprensa portuguesa é que parece ter-se esquecido. Eles olham para os comunistas com o fascínio com que os visitantes do jardim zoológico olham para um leão enjaulado, julgando ver nele um gatinho manso, ao invés de uma besta sanguinária. Esta benevolência interpretativa que a imprensa concede aos amáveis estalinistas, revela-se na ilusória, infeliz e falsa narrativa mediática que nos é oferecida para contextualizar qualquer acção do PCP: implantaram sozinhos a democracia pelo seu amor à liberdade e à pátria. Quarenta anos depois do 25 de Abril, os comunistas ainda mamam, afoitos e de bom grado, nesse seio purificador da revolução.

Para ser um comunista é necessário ser um fanático. É necessário estar disposto a ser um membro leal de um culto cujo rol de ideais tem a mesma validade que os sacrifícios humanos dos maias. É preciso também sofrer de amnésia seletiva e esquecer dos cinquenta milhões de chineses mortos no Grande Salto Adiante, dos cinco milhões de ucranianos mortos na Grande Fome e dos dois milhões de cambojanos massacrados pelo Khmer Rouge. Convém referir, que estes são apenas três exemplos de uma lista enorme de atrocidades, calamidades e monstruosidades facilmente associadas à irracionalidade ácida do comunismo.

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. A estirpe comunista portuguesa não tem tamanhas ambições, concedo. Depois de falharem na implantação do sonho vermelho durante o PREC e o Verão Quente, os comunistas portugueses acalmaram, e aceitaram ocupar uma bancada traseira, onde os seus fartos rabos podem descansar sem se preocuparem com o aparecimento cruel de hemorroidas e as suas gordas bochechas podem produzir os sons da escandalização populista sem se preocuparem com a proximidade desarmante do mundo real. Enfim, eles são almas muito mais gentis, que encarnam aquele estado de espírito muito português: aquele medo recôndito de que alguém, algures, de algum modo, está a fazer de tudo para impedir-nos de sermos felizes.



*Literalmente: em média, os norte-coreanos têm menos 3cm-8cm do que os sul-coreanos. Este facto não está, de nenhuma forma, relacionado com o comunismo. É pura coincidência.

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