sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Chico Fininho

Tenho evitado escrever sobre o papa Chico desde a sua ascensão, por não querer cair na tentação, sendo eu crítico da longa data da Santa Sé, de prender quem tem cão e prender quem não o tem. Afianço-vos agora que é com algum cepticismo que vejo o papa Chico tornar-se no Obama do mundo religioso.

A associação do Sumo Pontífice ao presidente americano é óbvia já que são, em termos de popularidade, duas rockstars. Uma já em declínio, que nunca mais conseguiu produzir um álbum à altura daquele que compreendeu o período de campanha das eleições de 2008; o outro cada vez conquistando mais fãs, movendo mais groupies, granjeando os mais descrentes corações.

Tudo começou logo após a sua eleição. Decidiu permanecer na Casa de Santa Marta em vez de se mudar para a habitual residência do papa. Mais: viajou de autocarro com os restantes cardeais, em vez de recorrer ao carismático papamóvel. Que humildade, que simplicidade profunda. Entre tantos outros notáveis actos de boa-fé, afagou agora um homem desfigurado que a ele se dirigiu. Um santo, apregoa-se, um santo tal e qual o seu homónimo.

Recentemente, o Papa Chico iniciou um conjunto de inquéritos a nível mundial para averiguar o que pensam os seus seguidores acerca de questões fracturantes que, historicamente, colocaram a Igreja num dos extremos do eixo. Essas questões incluem a homossexualidade, o divórcio e a contracepção, três conceitos que, directamente de palavras bíblicas ou por interpretação institucional e pessoal, têm sido condenados pelos fiéis. Esta medida foi acolhida como um acto de coragem e tolerância sem precedentes na história do Vaticano. Não questiono as boas intenções do papa Chico por trás desta ideia, o senhor parece ser de facto um tipo de genuína boa índole. O que ainda não percebi é se ele está ciente da contradição em que se está a meter.

A crença num certo movimento religioso, e portanto nos seus princípios, está para além das opiniões ponderadas e pessoais dos elementos da seita. A crença é, na verdade, a antítese dessa ponderação racional. Questionar os dogmas católicos, enquanto principal representante dos mesmos, põe em perigo a sua credibilidade perante os humanos e, já agora, perante o Pai que já proferiu a sua opinião sobre os assuntos em questão com o intuito, julgo eu, de esta ser respeitada.

Partindo da premissa que os católicos acreditam que as regras bíblicas provêm de poder divino e devem ser linearmente respeitadas, questioná-las é, na prática, pôr em casa a sua deidade. O que é um sinal de saudável iluminismo; mas representa, para a significativa população católica, uma grave contradição. É acreditar em Deus, seguir a sua palavra mas, quando esta parece pouco ponderada e tolerante às luzes do novo século, fazer uma reunião de grupo para decidir se aquilo que Deus ensinou é mesmo para cumprir. Um acto que, para quem acredita nos poderes omnipresentes e castigadores de acção divina, é de um desassombro louvável.

A não ser que, e esta é a hipótese mais provável, o papa Chico saiba, num obscuro resquício da sua consciência, da farsa de que é líder. Que os humanos, mais do que aquele livro que ele jurou seguir e proteger, devem ser aqueles que decidem o seu destino, as suas normas, os seus direitos e deveres, as suas circunstâncias.

Que a palavra de Deus nem sempre (ou nunca) é seguida da forma fiel que o seu carácter divino exigiria já é consabido. Que o principal representante da palavra de Deus seja o primeiro a promover um processo que a questiona pela raiz é a prova final de que, até dentro da Igreja, os dogmas podem ser ignorados quando estão em causa interesses térreos mais importantes. Entre os quais está, naturalmente, a popularidade do Chico.

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