Findado o período de indefinição
política, e proclamada a fórmula semi-presidencial de “salvação nacional”, de
Aníbal Cavaco Silva, fica como consolo Paulo Portas não ter sido presenteado pela
descarada e chantagista manobra política que o seu pérfido e ungulado espírito
desenhou, com o país pelo meio. A imprevisível decisão do Presidente da República tem como característica deixar, sem excepção, toda a classe partidária defraudada, com o acordo de PSD e CDS chumbado, o PS sem as eleições legislativas antecipadas que queriam simultâneas com as autárquicas, e BE e PCP arredados de equação. Simbolicamente reconfortante, mas insignificante.
Revolve a associação política do
PS ao memorando, furtando outra tentativa de ilusionismo despudorado, tentar
fazer por creditar que não há relação alguma entre a carga fiscal que é
necessária actualmente e as expansivas despesas conducentes a Portugal ficar
num estado de insolvência, e dependente de financiamento externo, bem como,
abstracta e sistematicamente, que Matemática é tão elástica quanto um jovem
chinês de 16 anos e que a palavra crescimento é o Wingardium Leviosa da
teoria económica.
Do que resta da coligação é fácil
de falar. O mar de contradições é grande e as feridas ululantes. É um acto de
fé poder acreditar que uma coligação que durante dois anos foi publicamente
disfuncional, sendo a sua existência ameaçada pela demissão do líder do menor
dos partidos, transfigure-se e passe a ser articulada e eficiente quando afinal
somente se levou um puxão de orelhas pelo meio. E quando o que mudou é o
seguinte: fica o partido socialista vinculado, nos próximos episódios saberemos
em que dimensão, e como Ministro das Finanças sai Vítor Gaspar para entrar
Maria Luís Albuquqerque, nada menos que a nomeação que impeliu Portas a
importar para a política o estilo de Francesco Schettino; coincidentemente, nem
o povo português viu com bons olhos a obediência de Portas à sua consciência, nem o mundo em geral ficou esperançado na espécime humana com a atitude do capitão
do Costa Concordia. Relativamente ao que seria premente verdadeiramente
debater, de resto, o paquidérmico líder do CDS tem em mãos a reforma do Estado,
e já deveria ter apresentado um documento a tal respeito no mês passado. Coisa
pouca e irrelevante, adiemos a discussão, e só se nos recordarmos de a fazer.
De todas as contradições, a maior
será, efectivamente, termos este cocktail digno de um bar de Pedrógão,
sob a égide semântica da estabilidade nacional, quando foi a própria coligação a
definitivamente comprometê-la. Não pretendo retirar-lhe as suas virtudes. É
custoso vê-la imprudentemente desconsiderada e reduzida à força de uma frase por
ser tão obviamente necessária numa altura como a actual, de lamentável perda de
soberania, ainda que seja algo ao qual a masoquista democracia portuguesa, perfeitamente descritível como um
viciado com problemas de reabilitação, pareça começar a estar habituada.
Hoje houve debate parlamentar sobre
o estado da Nação. Como em qualquer parlamento que não sabe separar o particular
do geral, nem reparar que infelizmente os nossos fatais problemas vão muito
além da crise de meia-idade de Portas, discutiu-se o estado do Governo. Oremos,
irmãos desafortunados.
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