sexta-feira, 12 de julho de 2013

O Estado das coisas




Findado o período de indefinição política, e proclamada a fórmula semi-presidencial de “salvação nacional”, de Aníbal Cavaco Silva, fica como consolo Paulo Portas não ter sido presenteado pela descarada e chantagista manobra política que o seu pérfido e ungulado espírito desenhou, com o país pelo meio. A imprevisível decisão do Presidente da República tem como característica deixar, sem excepção, toda a classe partidária defraudada, com o acordo de PSD e CDS chumbado, o PS sem as eleições legislativas antecipadas que queriam simultâneas com as autárquicas, e BE e PCP arredados de equação. Simbolicamente reconfortante, mas insignificante.

Revolve a associação política do PS ao memorando, furtando outra tentativa de ilusionismo despudorado, tentar fazer por creditar que não há relação alguma entre a carga fiscal que é necessária actualmente e as expansivas despesas conducentes a Portugal ficar num estado de insolvência, e dependente de financiamento externo, bem como, abstracta e sistematicamente, que Matemática é tão elástica quanto um jovem chinês de 16 anos e que a palavra crescimento é o Wingardium Leviosa da teoria económica.

Do que resta da coligação é fácil de falar. O mar de contradições é grande e as feridas ululantes. É um acto de fé poder acreditar que uma coligação que durante dois anos foi publicamente disfuncional, sendo a sua existência ameaçada pela demissão do líder do menor dos partidos, transfigure-se e passe a ser articulada e eficiente quando afinal somente se levou um puxão de orelhas pelo meio. E quando o que mudou é o seguinte: fica o partido socialista vinculado, nos próximos episódios saberemos em que dimensão, e como Ministro das Finanças sai Vítor Gaspar para entrar Maria Luís Albuquqerque, nada menos que a nomeação que impeliu Portas a importar para a política o estilo de Francesco Schettino; coincidentemente, nem o povo português viu com bons olhos a obediência de Portas à sua consciência, nem o mundo em geral ficou esperançado na espécime humana com a atitude do capitão do Costa Concordia. Relativamente ao que seria premente verdadeiramente debater, de resto, o paquidérmico líder do CDS tem em mãos a reforma do Estado, e já deveria ter apresentado um documento a tal respeito no mês passado. Coisa pouca e irrelevante, adiemos a discussão, e só se nos recordarmos de a fazer.

De todas as contradições, a maior será, efectivamente, termos este cocktail digno de um bar de Pedrógão, sob a égide semântica da estabilidade nacional, quando foi a própria coligação a definitivamente comprometê-la. Não pretendo retirar-lhe as suas virtudes. É custoso vê-la imprudentemente desconsiderada e reduzida à força de uma frase por ser tão obviamente necessária numa altura como a actual, de lamentável perda de soberania, ainda que seja algo ao qual a masoquista democracia portuguesa, perfeitamente descritível como um viciado com problemas de reabilitação, pareça começar a estar habituada.

Hoje houve debate parlamentar sobre o estado da Nação. Como em qualquer parlamento que não sabe separar o particular do geral, nem reparar que infelizmente os nossos fatais problemas vão muito além da crise de meia-idade de Portas, discutiu-se o estado do Governo. Oremos, irmãos desafortunados.

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