segunda-feira, 9 de março de 2015

Fiscais

O nosso primeiro-ministro é um líder político cujo discurso e actuação sempre se pautaram pelo rigor financeiro e pelos apelos ao sentido cívico e de responsabilidade. Quando se descobrem registos de que o seu passado não é assim tão isento de falhas, é natural que palavras como hipocrisia e falsidade pululem pelas vozes da opinião pública.

Eu vou tentar que este texto não possa ser confundido com uma apologia ao comportamento de um primeiro-ministro que já em muitas ocasiões demonstrou pouca habilidade política, nomeadamente a gerir situações com esta. Também eu tenho muitas interrogações em relação a este caso, assim como certezas de que algumas coisas foram mal manejadas, e as tentativas de desculpabilização e de absolvição roçam o ridículo. O homem estava tão desesperado que foi pagar uma multa prescrita. A quem e como é que falta averiguar.

No entanto, o meu problema com este caso é bem mais político do que ético. A fuga ao fisco é uma tradição que não pode ser esquecida, e muito menos condenada por quem a ajudou a propagar. Não peço ao cidadão que ignore o facto de termos um primeiro-ministro com um passado fiscal incumpridor e, sobretudo, obscuro. Deve haver escrutínio, deve haver rigor. Rogo apenas a que haja coerência de ideias, quer no elogio, quer na crítica. E não o faço exclusivamente a quem, como podem julgar, tem na fuga aos impostos um hábito. É importante porque não só os incumpridores fiscais pecam por falta de coerência ao opinar sobre este caso.

Para haver coerência, naturalmente terá de haver uma referência, um padrão opinativo. Isso não existe no cidadão comum. O cidadão quer políticos honestos, mas condena quem mostra honestamente que andámos a viver em regabofe e que é preciso pôr um travão. O cidadão reclama serviços públicos de alcance global, mas ataca a tirania do Governo quando este cobra os impostos que permitem ao Estado cobrir essas despesas. Um dia alongar-me-ei sobre as inconsistências argumentativas do povo português. Para já, alerto para a sua existência, e para o quão precipitado é avaliar o comportamento ético de alguém pelo seu passado de descontos para a segurança social.

Outra coisa: Passos Coelho não é um baluarte da honestidade. Mas o que é preciso não olvidar é que, como o primeiro-ministro se esconde por trás dos erros do seu antecessor, não podemos esconder atrás dele as falhas os nossos enganos colectivos - sociais e políticos - que foram decorrendo ao longo das décadas de democracia.

A nível de exemplo e de integridade, este caso é um escândalo lamentável e evitável. Mas o diagnóstico que Passos sempre fez do sistema fiscal é correcto e certeiro. Não se deixem enganar pelas suas fugas ao fisco: há oncologistas que fumam.

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