terça-feira, 12 de novembro de 2013

Jotinhas

Se há poder verdadeiramente instalado em Portugal, esse poder é o partidário. Vivemos num regime constitucionalmente partidocrático e cujos resultados deveriam ser bem ponderados. A culpa da separação cada vez mais clara entre a classe política e a sociedade civil não se baseia apenas no cepticismo crescente da segunda em relação à primeira. De resto, esse cepticismo tem motivado até, em alguns sectores, alguma iniciativa política individual ou, se colectiva, apartidária. Mas os limites são deveras circunscritos. A melhor forma de fazer alguma coisa pelo bem público é a associação a um partido, isto considerando a centralização do poder em Portugal, e por isso desconsiderando a administração local como poder verdadeiramente relevante. Ainda que como independente, qualquer um que intente a ter voz parlamentar tem de escolher um alinhamento. Conscientes que estão os agentes políticos desta necessidade, criou-se nos partidos uma ascensão hierárquica quase maçónica.

Na sequência deste processo de promoção partidária, surgiram os jotinhas. Esta precoce espécie de diamantes governativos por lapidar ingressa nos partidos quando ainda é nova demais para cursos superiores ou para ter significativa experiência profissional. Nunca foi sua ideia adquiri-los: saberiam que o futuro era risonho em cargos públicos ou instituições municipais. Viveram sempre alimentados pela autêntica máquina de saquear os cidadãos em que se tornou o Estado. São dependentes desse saque e, como tal, serão sempre um obstáculo à reforma do mesmo, entretidos que estão a sugar esse delicioso seio.

Passos Coelho e Seguro são exemplos acabados dessa geração jotinha, que domina os partidos e consequentemente a política. Chegou a vez deles, que fizeram carreira sustentados pelos cidadãos, devolverem à comunidade as capacidades políticas adquiridas entrementes. O resultado, esse, é conhecido. Um primeiro-ministro com tanta sobriedade quanto covardia e incompetência; e o um líder da oposição que, de forma a não gastar muita tinta na sua óbvia depreciação, classificarei de insípido e perigoso. Com a primeira geração de políticos partidocráticos, Portugal enfrentou a bancarrota três vezes em menos de 40 anos. Com esta segunda geração, nunca sairá da bancarrota.

É este o fenómeno que temos perante nós: um processo em que o Estado utiliza o pretexto da boa intenção dissimuladamente socialista para ir aumentando e ir-se auto-alimentando, criando esta bola de neve burocrática que vai consumindo toda a economia. O problema é que o povo alinha nisto. Dizer mal do inevitavelmente corrupto poder público e dizer mal das gananciosas privatizações é uma escandalosa contradição, e os seus apregoadores têm de ser chamados à razão.

Esta ditadura de partidos e jotinhas tem uma consequência gravíssima última: permite aos partidos impor ao País os seus próprios deputados, contra a vontade dos cidadãos votantes. A democracia representativa será sempre corrompida por uma pornográfica limitação de escolha, que leva o problema principal-agente a um nível ainda mais preocupante: um nível em que as escolhas já estão feitas por nós há muito tempo, e em que o processo democrático se limita a criar a ilusão de que nós é que temos culpa, por termos levado os políticos mais incompetentes aos patamares que estes ocupam, num ininterrupto ciclo de conformismo.

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