
Acho difícil acreditar nas Moiras, as três irmãs que
conjuntamente teciam o destino de homens e deuses. Também me mostro algo relutante quanto a ser Deus a escrever todos os pergaminhos da nossa existência. Pelo que
ficarei valentemente chateado caso chegue ao céu e a santíssima entidade efectivamente
exista. Significaria que o xoninhas teria ficado este tempo todo na cobardia de
não comprovar a sua existência, após ter enrabado, e sem vaselina, espiritualmente a nação
benfiquista. Apesar de a situação não ser do pior que o Senhor do Universo alegadamente
consegue [ver a Bíblia], é o suficiente para ter a obrigação de prestar contas.
Peço-lhe encarecidamente que vá contemplar criações suas, nomeadamente a Scarlett Johansson, a
Olga Kurylenko e a Allison Brie e deixe o Benfica arredado do seu experimentalismo
trágico-dramático.
Acredito na concepção abstracta de fado português quando é compreendido
como a constatação de um elemento fatalista numa história já passada. É dessa
sina malfadada que o primado de Jesus se caracteriza, com o capítulo apoteótico
a dar-se nesta época. A genuflexão (nunca pensei conseguir arranjar contexto
para utilizar esta palavra sem ser em argumentos porno) de Jesus no Dragão,
prostrado e incrédulo, foi a sua representação perfeita. Recordemos o que
aconteceu na totalidade do assombrado reinado jesuíta: Benfica campeão nacional na primeira
época; na segunda, o Benfica perde 5-0 no Dragão e é eliminado nas meias-finais
da Liga Europa com o Braga; na terceira, o Benfica infantilmente concedeu na
segunda metade da época uma vantagem de oito pontos, cinco deles em jornadas
consecutivas contra Vitória e Académica, e o Porto termina por festejar na Luz;
nem sequer preciso de me dar ao trabalho de descrever a actual. Reparar, unicamente,
que se encontra incompetência relativamente ao campeonato, o empate caseiro com
o Estoril simplesmente não poderia ter acontecido, e ausência de fortuna
relativamente à Liga Europa, pontificada pelos contornos da derrota, por si só
já dolorosos, mas ampliados ainda pela similitude com o que tinha sucedido
no Dragão.
O legado de Jesus vive desta ambivalência: devolveu o
Benfica à disputa, mas não a consegue ganhar. Voltámos a ombrear
verdadeiramente com o Porto em domínio nacional, mas perdemos sempre no
ombro-a-ombro. Nas alturas de fogo, quando a vitória tem de acontecer, o
Benfica claudica invariavelmente. O Benfica de Jesus tem o mérito de finalmente
parecer à altura dos desígnios de um clube com a sua dimensão e o demérito de
não os conseguir alcançar. Tendo a próxima época como inflexível limite, sou
ainda assim favorável à continuidade do técnico da Amadora.
É inevitável os portistas da minha geração lerem este texto através
de uma confortável superioridade. E é legítima, é alardeada pela sobranceria da glória. Mas também eles sabem da felicidade da sua condição, e que a posição hegemónica da última década, sensivelmente, poderá ser agora ramagem caduca. Pretendi isolar especialmente a
parte atinente ao período de Jesus enquanto treinador do Benfica, mas é até
simples recordar outros períodos da história recente do clube que podem ser
adicionados à sina que me despendi a retratar. Ainda assim, benfiquistas, nada
temeis. Leiam Shakespeare, “Péricles”, onde o dramaturgo se compadece a demonstrar
que até o mais dramático dos cenários pode conhecer um final feliz. Temo-lo do
nosso lado para a próxima época, em que é absolutamente inaceitável a possibilidade de não ganhar novamente o
campeonato. E fazê-lo não é, diga-se, mais do que a nossa obrigação.
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