terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Senilidade Jurássica de Mário Soares

Nesta crónica irei dissertar sobre dinossauros. Para isso vou usar dois exemplos. O primeiro era um membro da minha família, que Deus a tenha, e o segundo é um membro proeminente da nossa elite política, que o Diabo se despache em levá-lo.

Aquilo que é interessante nos dinossauros é que analisar a sua existência permite tirar um vasto conjunto de ilações sobre a natureza efémera da vida, a transitoriedade do poder e a imprevisibilidade do fim. Os dinossauros dominaram a terra durante mais de 130 milhões de anos. Quando as primeiras espécies de dinossauros surgiram, no Triásico, a massa da Terra era um supercontinente, a Pangeia. No final do Triásico, um evento desconhecido causou a extinção em massa de cerca de metade das espécies do planeta. Assim começou a era Jurássica, dominada pelos dinossauros, onde a massa continental já se dividia gradualmente em dois continentes, a Laurásia e o Gondwana. Esse regime ditatorial reptílico duraria até ao final do Jurássico, quando um asteróide colossal esbarrou contra a Terra e eliminou grande parte dos dinossauros.

A minha tia-avó Guilhermina viveu até aos 94 anos. Era uma presença constante na mesa dos almoços de Domingo familiares. Todos na minha família se lembram da generosidade com que batia nos netos com a sua fiel vara, do seu racismo subtil e das suas opiniões políticas feudais. Ela sempre teve opiniões controversas, mas no capítulo final da sua vida, algo mudou. Quando ela antes dizia que Salazar tinha sido um ditador, mas que pelo menos ele não era um ladrão, agora ela dizia que o homem afinal era um santo. Como uma pessoa louca que sabe que ninguém está a prestar atenção, a solução passa por dizer coisas cada vez mais chocantes até eliminar a última réstia de sensibilidade e tolerância dos presentes.

Aquilo que ninguém na minha família admitia era que a minha tia-avó não era apenas uma idealista retrógrada. Ela estava a ficar senil. Os sinais eram claros. Estavam à vista de todos, mas ninguém queria ver. As frases incoerentes. A dicção arrastada. O discurso zangado e megalómano. Assim como ignorávamos as coisas racistas, estúpidas e loucas que a minha tia-avó de noventa anos dizia à mesa do jantar por atribuirmos esse ímpeto à sua ancianidade, também eu tenho tolerado as barbaridades que saem da boca de Mário Soares pela mesma razão compassiva.

Mário Soares é alguém que, num tempo longínquo, era relevante. Mas a sua relevância ministerial está, lentamente, a ser transformada numa vergonha nacional devido à sua sede obscena pela influência de outrora. Não há como negar. O nosso ilustre Senador não-oficial envelheceu e o resultado não é a complexidade crescente de um vinho que melhora com a idade, mas a inutilidade de um cavalo que é demasiado velho para puxar o arado.

Já observamos o Pai Socialista a ser apanhado a 199 km/hora num carro da Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças tendo afirmado, com toda a seriedade, que “o Estado é que vai pagar a multa”. Já lemos a sua carta aberta hilariante. Ouvimo-lo, vezes sem conta, a afirmar que a “democracia” está a ser posta em causa. O antigo Presidente da República inventa uma realidade conveniente e utiliza hipérboles burlescas, ignorando os factos e chegando mesmo a inventá-los de modo a servir a sua causa política mercenária.

O homem que foi Primeiro-Ministro durante as duas primeiras intervenções do FMI em Portugal (1977 e 1983) em condições de austeridade muito mais rígidas (incluía o racionamento de alimentos e bens de primeira necessidade), agora critica o Governo por efectuar cortes residuais de despesa (em 2013 a despesa do Estado Social, relativamente ao PIB, será a quarta maior da história). Enquanto isso, a Fundação Mário Soares continua a receber milhões do Estado para desempenhar um papel sociocultural incerto.

Quando eu penso na minha tia-avó, aquilo que me ocorre era o seu estado mental decrépito. Segundo os meus pais, antes da velhice, ela tinha sido uma mulher extremamente liberal e simpática. Se continuarmos a ignorar os sinais, como a minha família fez com a minha tia-avó Guilhermina, o legado histórico de Mário Soares será destruído. O seu papel no combate à ditadura comunista que o Álvaro Cunhal queria implantar será esquecido. Se continuarmos a tratar o Mário Soares desta forma, dando-lhe um microfone e uma câmara sempre que ele quiser falar, a única coisa que sobrará será a sua flagrante e crescente senilidade.

A única coisa que sobrou dos dinossauros foram os fósseis e os seus descendentes, as aves. Os primeiros pertencem ao passado. As pessoas não pensam neles. Os segundos vivem no presente e, como tal, são mais importantes. As pessoas lembram-se sempre do passado mais recente porque está mais fresco nas suas memórias. Temo que, se Mário Soares não se calar, ele transformará o seu passado glorioso num fóssil encalhado num museu e o seu passado recente duvidoso numa ave que, mais tarde ou mais cedo, caga nas nossas cabeças.